domingo, 11 de dezembro de 2016


POSIÇÕES JURÍDICAS SUBSTANTIVAS DOS PARTICULARES

Este texto tem como objectivo a apresentação das principais teorias relativas à natureza das posições jurídicas substantivas dos particulares, que decorre da crítica que VASCO PEREIRA DA SILVA faz quanto aos argumentos de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA acerca da discussão em torno do artigo 95.º, n.º 3 CPTA acerca de existir ou não um alargamento do objecto do processo relativo à acção de anulação de ato administrativo, porque dispõe no seu preceito que: “(…) o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas (…), assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas (…)”.

VASCO PEREIRA DA SILVA afirma que MÁRIO AROSO DE ALMEIDA parte do pressuposto de que os direitos públicos subjectivos são equivalentes a direitos reactivos, em que as posições subjectivas dos particulares são concebidas em termos próximos aos das concepções dos direitos reactivos que se justificam com o resultado de uma lesão por parte da Administração, o qual discorda por ser da opinião que a legitimidade dos particulares para impugnarem um acto administrativo deve fundamentar-se na teoria dos direitos subjectivos (teoria da norma de protecção).

As posições jurídicas substantivas dos particulares são posições de vantagem dos particulares em relação à Administração, e as suas principais teorias que dizem respeito ao modo de conceber essas posições de vantagem, ou seja, como podem os particulares exercer na relação processual as suas posições jurídicas substantivas, são as seguintes:

a) a teoria da situação de interesse de facto, defendida por (LAFERRIÈRE, HAURIOU, GUICCIARDI), confere aos particulares apenas legitimidade processual e os particulares não defendem qualquer posição jurídica substantiva;

b) a teoria do “direito à legalidade” ou “direito reflexo”, defendida por (BONNARD, BARTHÉLÈMY, MARCELLO CAETANO, WALTER JELLINEK), os particulares fazem valer em processo estes mesmos direitos contra a Administração;

c) a teoria, defendida entre nós por FREITAS DO AMARAL, que confere aos particulares direitos subjectivos ou interesses legítimos, se a posição de vantagem dos particulares resultar imediata e intencionalmente das normas jurídicas, ou resultar de forma mediata e reflexa. Na concepção de FREITAS DO AMARAL, a protecção do direito subjectivo confere ao particular a faculdade de exigir à Administração uma conduta que satisfaça plenamente o seu interesse próprio. No caso da protecção do interesse legítimo, o particular tem apenas a faculdade de exigir à Administração o respeito pela legalidade de decisões que incidem sobre um interesse próprio;

d) a teoria, defendida por (NIGRO E RUI MACHETE), que confere também aos particulares direitos subjectivos ou interesses legítimos, se a posição de vantagem dos particulares resultar ou não de uma situação dependente do exercício do poder administrativo. Na concepção de RUI MACHETE, o direito subjectivo é definido como uma posição de vantagem de um sujeito do ordenamento jurídico em ordem a um bem, e o interesse legítimo como uma posição de vantagem de um sujeito do ordenamento em ordem a um bem objecto do poder administrativo, mediante a atribuição de poderes que influenciem o exercício legal do poder, de modo a satisfazer o seu interesse em relação a esse bem.

e) a teoria, defendida por (KORNPROBST, LALIGANT, ROUBIER, ENTERRÍA), que confere aos particulares duas situações jurídicas, os direitos subjectivos clássicos ou activos e os direitos subjectivos novos ou reactivos (eventuais ou futuros). ENTERRÍA considera que não existe à priori da ilegalidade da conduta da Administração um direito subjectivo, mas um dever que a lei impõe àquela. Após a prática do acto ilegal pela Administração, o particular adquire então, um direito subjectivo à acção de impugnação, pelo preenchimento de dois requisitos, a existência de um prejuízo/lesão na esfera do particular e a ilegalidade do ato praticado.

f) a teoria dos direitos subjectivos, defendida por (BACHOF, MAURER, KREBBS, TSCHIRA/GLAESER, BADURA), de origem doutrinal alemã e por influência da teoria da norma de protecção, que concebe que a atribuição de direitos aos indivíduos pelo ordenamento jurídico pode ocorrer de duas maneiras distintas, através da atribuição de um direito e da imposição de um dever. Perante esta teoria, para que exista um direito subjectivo, é necessário o preenchimento cumulativo de três requisitos pela norma jurídica: i) tenha carácter vinculativo e não confira discricionariedade à Administração; ii) a norma tem de proteger os direitos dos particulares e não visar apenas a prossecução do interesse público; iii) a norma tem que ter como efeito o facto dos particulares disporem de meios destinados a uma determinada conduta por parte da Administração.  

VASCO PEREIRA DA SILVA enquadra nesta última teoria exposta, que configura unitariamente as posições jurídicas substantivas dos particulares,  tanto os direitos subjectivos como os direitos reactivos ou interesses legítimos, porque defende que “não existem diferenças de substância mas de grau, não diferenças de qualidade mas de quantidade (…) são posições substantivas e não meramente processuais dos particulares em relação à Administração (…) a diferença entre o direito subjectivo e o denominado interesse legítimo não respeita, portanto, à existência do próprio direito, mas a uma, eventual, maior ou menor amplitude do seu conteúdo.”.

  

Bibliografia

1 – MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2016 – 2ª Edição;

2 – VASCO PEREIRA DA SILVA, “Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, Esboço de uma Teoria Subjectivista do Recurso Directo de Anulação, Livraria Almedina, Coimbra 1989;

3 – VASCO PEREIRA DA SILVA, “Em Busca do Acto Administrativo Perdido”, Livraria Almedina, Coimbra 1998;

4 – VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Ensaios sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Almedina, 2ª Edição Actualizada;

5 – FREITAS DO AMARAL, “Direiro Administrativo”, Vol II

NATÉRCIA CLARO, N.º 24627

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