POSIÇÕES JURÍDICAS SUBSTANTIVAS DOS PARTICULARES
Este texto tem como objectivo a apresentação das
principais teorias relativas à natureza das posições jurídicas substantivas dos
particulares, que decorre da crítica que VASCO PEREIRA DA SILVA faz quanto aos
argumentos de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA acerca da discussão em torno do artigo
95.º, n.º 3 CPTA acerca de existir ou não um alargamento do objecto do processo
relativo à acção de anulação de ato administrativo, porque dispõe no seu
preceito que: “(…) o tribunal deve
pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas (…),
assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das
que tenham sido alegadas (…)”.
VASCO PEREIRA DA SILVA afirma que MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA parte do pressuposto de que os direitos públicos subjectivos são equivalentes
a direitos reactivos, em que as posições subjectivas dos particulares são
concebidas em termos próximos aos das concepções dos direitos reactivos que se
justificam com o resultado de uma lesão por parte da Administração, o qual
discorda por ser da opinião que a legitimidade dos particulares para impugnarem
um acto administrativo deve fundamentar-se na teoria dos direitos subjectivos
(teoria da norma de protecção).
As posições jurídicas substantivas dos
particulares são posições de vantagem dos particulares em relação à Administração,
e as suas principais teorias que dizem respeito ao modo de conceber essas posições
de vantagem, ou seja, como podem os particulares exercer na relação processual
as suas posições jurídicas substantivas, são as seguintes:
a) a teoria da situação de interesse de facto,
defendida por (LAFERRIÈRE, HAURIOU, GUICCIARDI), confere aos particulares apenas
legitimidade processual e os particulares não defendem qualquer posição jurídica
substantiva;
b) a teoria do “direito à legalidade” ou “direito
reflexo”, defendida por (BONNARD, BARTHÉLÈMY, MARCELLO CAETANO, WALTER
JELLINEK), os particulares fazem valer em processo estes mesmos direitos contra
a Administração;
c) a teoria, defendida entre nós por FREITAS DO
AMARAL, que confere aos particulares direitos subjectivos ou interesses
legítimos, se a posição de vantagem dos particulares resultar imediata e
intencionalmente das normas jurídicas, ou resultar de forma mediata e reflexa.
Na concepção de FREITAS DO AMARAL, a protecção do direito subjectivo confere ao
particular a faculdade de exigir à Administração uma conduta que satisfaça plenamente
o seu interesse próprio. No caso da protecção do interesse legítimo, o
particular tem apenas a faculdade de exigir à Administração o respeito pela
legalidade de decisões que incidem sobre um interesse próprio;
d) a teoria, defendida por (NIGRO E RUI MACHETE),
que confere também aos particulares direitos subjectivos ou interesses
legítimos, se a posição de vantagem dos particulares resultar ou não de uma
situação dependente do exercício do poder administrativo. Na concepção de RUI
MACHETE, o direito subjectivo é definido como uma posição de vantagem de um
sujeito do ordenamento jurídico em ordem a um bem, e o interesse legítimo como
uma posição de vantagem de um sujeito do ordenamento em ordem a um bem objecto
do poder administrativo, mediante a atribuição de poderes que influenciem o
exercício legal do poder, de modo a satisfazer o seu interesse em relação a
esse bem.
e) a teoria, defendida por (KORNPROBST, LALIGANT,
ROUBIER, ENTERRÍA), que confere aos particulares duas situações jurídicas, os direitos
subjectivos clássicos ou activos e os direitos subjectivos novos ou
reactivos (eventuais ou futuros). ENTERRÍA considera que não existe à
priori da ilegalidade da conduta da Administração um direito subjectivo, mas um
dever que a lei impõe àquela. Após a prática do acto ilegal pela Administração,
o particular adquire então, um direito subjectivo à acção de impugnação, pelo
preenchimento de dois requisitos, a existência de um prejuízo/lesão na esfera
do particular e a ilegalidade do ato praticado.
f) a teoria dos direitos subjectivos,
defendida por (BACHOF, MAURER, KREBBS, TSCHIRA/GLAESER, BADURA), de origem
doutrinal alemã e por influência da teoria
da norma de protecção, que concebe que a atribuição de direitos aos
indivíduos pelo ordenamento jurídico pode ocorrer de duas maneiras distintas,
através da atribuição de um direito e da imposição de um dever. Perante esta
teoria, para que exista um direito subjectivo, é necessário o preenchimento
cumulativo de três requisitos pela norma jurídica: i) tenha carácter
vinculativo e não confira discricionariedade à Administração; ii) a norma tem
de proteger os direitos dos particulares e não visar apenas a prossecução do
interesse público; iii) a norma tem que ter como efeito o facto dos
particulares disporem de meios destinados a uma determinada conduta por parte
da Administração.
VASCO PEREIRA DA SILVA enquadra nesta última
teoria exposta, que configura unitariamente as posições jurídicas substantivas
dos particulares, tanto os direitos
subjectivos como os direitos reactivos ou interesses legítimos, porque defende
que “não existem diferenças de substância mas de grau, não diferenças de
qualidade mas de quantidade (…) são posições substantivas e não meramente
processuais dos particulares em relação à Administração (…) a diferença entre o
direito subjectivo e o denominado interesse legítimo não respeita, portanto, à
existência do próprio direito, mas a uma, eventual, maior ou menor amplitude do
seu conteúdo.”.
Bibliografia
1 – MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual
de Processo Administrativo”, Almedina, 2016 – 2ª Edição;
2 – VASCO PEREIRA DA SILVA, “Para
um Contencioso Administrativo dos Particulares”, Esboço de uma Teoria
Subjectivista do Recurso Directo de Anulação, Livraria Almedina, Coimbra 1989;
3 – VASCO PEREIRA DA SILVA, “Em
Busca do Acto Administrativo Perdido”, Livraria Almedina, Coimbra 1998;
4 – VASCO PEREIRA DA SILVA, “O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Ensaios sobre as Acções no
Novo Processo Administrativo, Almedina, 2ª Edição Actualizada;
5 – FREITAS DO AMARAL, “Direiro
Administrativo”, Vol II
NATÉRCIA CLARO, N.º 24627
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