A tutela cautelar no Contencioso Administrativo hodierno
O seguinte trabalho incidirá sobre o instituto da
providência cautelar, que se encontra previsto nos artigos 112º e seguintes do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos. A providência cautelar consiste
num procedimento que se destina a evitar um prejuízo grave e irreparável (periculum
in mora) de um direito, desde que seja provável que a pretensão formulada no
processo principal venha a ser julgada procedente (fumus bonus iuris),isto é, a
providência cautelar é processualmente configurada como um meio processual
acessório, uma vez que a sua utilização somente faz sentido quando acoplada a
um meio processual principal (o processo principal), cuja efectividade visa
assegurar. Este instituto visa, nas palavras de Freitas do Amaral, “assegurar o
efeito útil da decisão principal, isto é, assegurar, através de medidas
antecipatórias (1) ou conservatórias
(2), que a decisão final do processo
principal, quando vier a ser proferida, ainda possa ter a sua utilidade normal
e não venha fora de tempo, fazer uma declaração do Direito que seja meramente
platónica. Os processos cautelares são processos especiais, na medida em que
não se reconduzem à acção administrativa comum nem à acção administrativa
especial e têm carácter urgente, nos termos do artigo 36º/1 alínea f) CPTA.
A razão que subjaz à existência deste instituto é a
morosidade dos processos judiciais, que ocorre em função de uma miríade de circunstâncias,
mormente os problemas de logística judiciária e que, não raras vezes, não
permite a tutela tempestiva da posição jurídica afectada, situação que, perante
a hipotética ausência de tutela cautelar, redundaria numa decisão judicial
completamente desprovida de qualquer conteúdo prático. (3)
Urge, neste âmbito, aludir ao princípio constitucionalmente
consagrado da plenitude da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo
268º/4 CRP, que impõe que, para todo e qualquer conflito que mereça composição
judicial, seja possível encontrar um tribunal competente e um meio processual
que confira protecção adequada e suficiente aos interesses envolvidos dignos de
tutela jurídica, designadamente através da adopção de “medidas cautelares
adequadas”.
A Administração Pública está
vinculada à prossecução do interesse público, devendo, no entanto, conciliar
este princípio com o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos
dos cidadãos, nos termos do artigo 266º/1 da Constituição da República
Portuguesa. Em muitas situações, é o próprio interesse público que pode
aconselhar a outorga da medida cautelar como forma de evitar a consolidação de
situações irreversíveis, a lesão de liberdades públicas ou direitos
fundamentais do requerente ou de contra interessados, sendo que o critério que
deve nortear a actuação da Administração deve basear-se numa ponderação global
dos interesses públicos e privados em presença (cfr. Artigo 120º/2 CPTA),
devendo englobar-se nessa ponderação factores como o periculum in mora, que se
encontra patente no artigo 120º/1 CPTA e visa evitar a ocorrência de danos
irreparáveis na esfera jurídica do requerente em situações em que haja “um
fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da
produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente
visa assegurar no processo principal…” e o fumus bonus iuris (120º/1 CPTA) ,
que consiste numa apreciação sumária e provisória sobre as probabilidades de êxito
da acção principal (“e seja provável que a pretensão formulada ou a formular
nesse processo venha a ser julgada procedente”).
(1) Providências cautelares antecipatórias são aquelas que visam
obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito.
(2) Providências cautelares
conservatórias são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade
do particular, um direito a um bem de que ele já dispõe, mas que está ameaçado
de perder.
(3). Pense-se na situação de uma
farmácia que vê o seu alvará ser objecto de cassação e interpõe uma acção
cautelar visando obstar ao seu encerramento imediato. Perante a ausência de
tutela cautelar, esta situação acarretaria prejuízos irreparáveis para a
farmácia.
Hugo Amaro nº
18155
Bibliografia:
FERNANDA MAÇÃS
“As Medidas Cautelares” Reforma do Contencioso Administrativo, Vol. I, Coimbra
Editora, 2009
DIOGO FREITAS
DO AMARAL “As providências cautelares no novo Contencioso Administrativo” in
Cadernos de Justiça Administrativa, nº43, 2004
JOÃO CAUPERS, “Direito
Administrativo”, Notícias Editorial, 1998
MARCELO REBELO
DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS “Direito Administrativo Geral, III, D. Quixote,
2009
JORGE AUGUSTO
PAIS DO AMARAL “Direito Processual Civil”, Almedina, 2013