segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A tutela cautelar no Contencioso Administrativo hodierno

A tutela cautelar no Contencioso Administrativo hodierno

O seguinte trabalho incidirá sobre o instituto da providência cautelar, que se encontra previsto nos artigos 112º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. A providência cautelar consiste num procedimento que se destina a evitar um prejuízo grave e irreparável (periculum in mora) de um direito, desde que seja provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente (fumus bonus iuris),isto é, a providência cautelar é processualmente configurada como um meio processual acessório, uma vez que a sua utilização somente faz sentido quando acoplada a um meio processual principal (o processo principal), cuja efectividade visa assegurar. Este instituto visa, nas palavras de Freitas do Amaral, “assegurar o efeito útil da decisão principal, isto é, assegurar, através de medidas antecipatórias (1) ou conservatórias (2), que a decisão final do processo principal, quando vier a ser proferida, ainda possa ter a sua utilidade normal e não venha fora de tempo, fazer uma declaração do Direito que seja meramente platónica. Os processos cautelares são processos especiais, na medida em que não se reconduzem à acção administrativa comum nem à acção administrativa especial e têm carácter urgente, nos termos do artigo 36º/1 alínea f) CPTA.
A razão que subjaz à existência deste instituto é a morosidade dos processos judiciais, que ocorre em função de uma miríade de circunstâncias, mormente os problemas de logística judiciária e que, não raras vezes, não permite a tutela tempestiva da posição jurídica afectada, situação que, perante a hipotética ausência de tutela cautelar, redundaria numa decisão judicial completamente desprovida de qualquer conteúdo prático. (3)
Urge, neste âmbito, aludir ao princípio constitucionalmente consagrado da plenitude da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 268º/4 CRP, que impõe que, para todo e qualquer conflito que mereça composição judicial, seja possível encontrar um tribunal competente e um meio processual que confira protecção adequada e suficiente aos interesses envolvidos dignos de tutela jurídica, designadamente através da adopção de “medidas cautelares adequadas”.

A Administração Pública está vinculada à prossecução do interesse público, devendo, no entanto, conciliar este princípio com o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, nos termos do artigo 266º/1 da Constituição da República Portuguesa. Em muitas situações, é o próprio interesse público que pode aconselhar a outorga da medida cautelar como forma de evitar a consolidação de situações irreversíveis, a lesão de liberdades públicas ou direitos fundamentais do requerente ou de contra interessados, sendo que o critério que deve nortear a actuação da Administração deve basear-se numa ponderação global dos interesses públicos e privados em presença (cfr. Artigo 120º/2 CPTA), devendo englobar-se nessa ponderação factores como o periculum in mora, que se encontra patente no artigo 120º/1 CPTA e visa evitar a ocorrência de danos irreparáveis na esfera jurídica do requerente em situações em que haja “um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal…” e o fumus bonus iuris (120º/1 CPTA) , que consiste numa apreciação sumária e provisória sobre as probabilidades de êxito da acção principal (“e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”).



(1) Providências cautelares antecipatórias são aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito.
(2) Providências cautelares conservatórias são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já dispõe, mas que está ameaçado de perder.


(3). Pense-se na situação de uma farmácia que vê o seu alvará ser objecto de cassação e interpõe uma acção cautelar visando obstar ao seu encerramento imediato. Perante a ausência de tutela cautelar, esta situação acarretaria prejuízos irreparáveis para a farmácia.

Hugo Amaro nº 18155





Bibliografia:
FERNANDA MAÇÃS “As Medidas Cautelares” Reforma do Contencioso Administrativo, Vol. I, Coimbra Editora, 2009
DIOGO FREITAS DO AMARAL “As providências cautelares no novo Contencioso Administrativo” in Cadernos de Justiça Administrativa, nº43, 2004
JOÃO CAUPERS, “Direito Administrativo”, Notícias Editorial, 1998
MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS “Direito Administrativo Geral, III, D. Quixote, 2009

JORGE AUGUSTO PAIS DO AMARAL “Direito Processual Civil”, Almedina, 2013

LINHAS GERAIS SOBRE OS RECURSOS JURISDICIONAIS NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

LINHAS GERAIS SOBRE OS RECURSOS JURISDICIONAIS NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

Um recurso jurisdicional é o meio processual concedido às partes para impugnar uma decisão judicial e obter a sua revisão por um tribunal superior. O recurso jurisdicional constitui, portanto, um pedido de reapreciação e de reexame de uma decisão judicial já tomada, pedido esse que será dirigido a um tribunal hierarquicamente superior.
Diz-se tribunal a quo aquele do qual se recorre ou aquele que proferiu a decisão recorrida e tribunal ad quem aquele para o qual se recorre ou para o qual se interpõe o recurso e que deve julgá-lo.
Diz-se recorrente aquele que interpõe o recurso e recorrido aquele contra quem o recurso é interposto.
Nos termos do art. 142º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), são passíveis de recurso as “decisões judiciais que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa”. A este propósito, esclarece o professor JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, podem ser objeto de recurso não apenas “as sentenças finais e as decisões arbitrais, mas também os despachos saneadores que conheçam o fundo da causa, incluindo-se nestes últimos as decisões que julgam da procedência ou da improcedência de exceções perentórias”.
Não estão sujeitas a recurso as decisões de mero expediente ou proferidas no uso legal de um poder discricionário. É o que resulta do disposto no art. 630º do Código de Processo Civil de 2013 (CPC). No âmbito do CPTA pode dar-se como exemplo a norma constante do art. 87º/6, a qual veda a recorribilidade do despacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento dos articulados.
Um desvio a esta regra que acabámos de enunciar consta do art. 7º-A/3 do CPTA, que permite o recurso das decisões proferidas pelo juiz no sentido da promoção da celeridade ou de simplificação processual (genericamente referidas no nº 1 do mesmo preceito legal) quando tais decisões contendam com “os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios”.
Segundo o professor JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “a lei processual administrativa portuguesa estabelece a regra geral do direito ao recurso”, solução que contrasta com aquela que se verifica noutros ordenamentos jurídicos estrangeiros, onde se encontram frequentemente limitações ao direito de recurso jurisdicional, em nome da economia e da celeridade processual. O professor VIEIRA DE ANDRADE refere como exemplo “a alteração da legislação processual administrativa alemã de 1996, que sujeita o recurso a autorização do tribunal superior, a ser concedida apenas quando haja «dúvidas sérias sobre a correção da sentença recorrida», «dificuldades especiais de facto ou de direito», «uma questão de direito de importância fundamental», «divergência relativamente a prática anterior» ou «vícios processuais na base da sentença»”.
Tendo em conta os poderes do tribunal superior para o qual é feito o recurso (tribunal ad quem), a doutrina costuma distinguir os recursos substitutivos, por um lado, dos recursos cassatórios ou rescindentes, por outro.
Nos recursos substitutivos, como o próprio nome indica, o tribunal ad quem, caso entenda dar provimento ao recurso, vai substituir a decisão impugnada por aquela que entenda ser a adequada. Nos recursos substitutivos, o tribunal de recurso tanto poderá julgar de novo o mérito da causa, como poderá limitar-se a reponderar a decisão tomada, na exata medida em que foi impugnada.
Nos recursos cassatórios, o tribunal ad quem limita-se a verificar a legalidade da decisão recorrida e, em caso de procedência, a cassá-la, isto é, a proceder à sua revogação ou rescisão, remetendo depois o processo ao tribunal competente, em regra ao tribunal a quo, para nova decisão. Nos recursos de cassação, o tribunal ad quem visa apenas verificar o cumprimento da lei pelo tribunal a quo.
A tradição processual portuguesa, que se confirma também no processo administrativo, vai no sentido de os recursos serem, em geral, substitutivos.
À semelhança do que se verifica na lei processual civil, a lei processual administrativa distingue os recursos ordinários dos recursos extraordinários (cfr. arts. 627º/2 do CPC e 140º/1 do CPTA).
No sistema processual português, dizem-se ordinários os recursos interpostos de decisões judiciais ainda não transitadas em julgado e extraordinários os recursos interpostos de decisões judiciais já transitadas em julgado.
São ordinários o recurso de apelação e o recurso de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e o recurso de revisão.
O recurso de apelação é o recurso interposto das decisões dos tribunais administrativos de primeira instância (i.e., dos Tribunais Administrativos de Círculo) para os tribunais administrativos de segunda instância (i.e., para os Tribunais Centrais Administrativos). Ao contrário do que sucede no recurso de revista, o recurso de apelação é um recurso, não só sobre matéria de direito, mas também sobre matéria de facto (cfr. art. 149º do CPTA).
O recurso de revista é o recurso interposto das decisões proferidas pelos tribunais administrativos de segunda instância (i.e., pelos Tribunais Centrais Administrativos) para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. art. 150º do CPTA) ou das decisões proferidas pelos tribunais administrativos de primeira instância (i.e., dos Tribunais Administrativos de Círculo) diretamente (de per saltum) para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. art. 151º do CPTA).
Como é próprio do recurso de revista, os poderes de apreciação do tribunal de recurso estão limitados à apreciação das questões de direito, pelo que o tribunal de revista (i.e., o Supremo Tribunal Administrativo) se limita a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelos tribunais inferiores, sem dispor do poder de modificar as decisões sobre a matéria de facto que por eles foram proferidas.
O recurso para uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário que pressupõe a existência de uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito: i) entre acórdão do Tribunal Central Administrativo e acórdão anteriormente proferido pelo mesmo tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (al. a) do art. 152º/1 do CPTA); ii) entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (al. b) do art. 152º/1 do CPTA).
Verificar-se-á uma contradição sempre que os acórdãos hajam perfilhado soluções contraditórias, relativamente à mesma questão fundamental de direito (isto é, quando existam situações de facto idênticas ou essencialmente semelhantes), no domínio (temporal) da mesma legislação, substantiva ou processual (na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica).
Falta referir o recurso de revisão, que é um recurso extraordinário que possibilita a impugnação e a revisão de decisões judiciais já transitadas em julgado mas que padecem de graves vícios. Os fundamentos do recurso de revisão constam do art. 696º do CPC, para o qual os arts. 154º/1 e 155º/1 do CPTA remetem expressamente.
O recurso de revisão da sentença é dirigido ao tribunal que a proferiu (cfr. art. 154º/1 do CPTA).
Ao recurso de revisão aplicam-se subsidiariamente as regras do CPC, nomeadamente as regras relativas aos prazos (cfr. art. 154º/1 do CPTA).

Bibliografia consultada:

ARMINDO RIBEIRO MENDES, “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”, Coimbra Editora, 2009

FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2002

JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 15ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de Processo Administrativo” 2ª Edição - Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016

OTHMAR JAUERNIG, “Direito Processual Civil”, 25ª Edição, Almedina, Coimbra, 2002



Rodrigo Dias, aluno nº 24472

Análise do Acórdão do STA de 14/04/2016: Execução de sentença de anulação do Acto Administrativo

Análise do Acórdão do STA de 14/04/2016: Execução de sentença de anulação do Acto Administrativo

I. Breve apresentação do caso
O Acórdão, aqui em análise, incide sobre a temática da execução de sentença de anulação de um acto administrativo – deliberação municipal – emitido pela Assembleia Municipal de Évora.
No dia 11 de Maio de 2001, a referida Assembleia Municipal deliberou a expropriação urgente dos terrenos necessários à construção da variante à EN18 – Ramo Norte e dos terrenos necessários circundantes destinados à execução de edificações.
Contudo, a 10 de Maio de 2007 esta deliberação viria a ser anulada por decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que considerou que existiu uma violação do disposto no artigo 12º, nº1, al. d) do Código das Expropriações: a Câmara Municipal, entidade expropriante, remeteu à Assembleia Municipal o pedido de declaração de utilidade pública urgente sem o informar do programa de trabalhos.
Os Exequentes (A e B, cônjuges e proprietários dos terrenos expropriados) intentaram no STA uma acção pedindo que o Município de Évora cumpra a decisão do Acórdão de 10 de Maio de 2007 que anulou a, já mencionada, deliberação Municipal.
O cumprimento do Acórdão deveria consistir na reparação de todos os danos emergentes e lucros cessantes que os Exequentes tiveram desde 2001 até ao presente e o pagamento de uma prestação pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do mesmo Acórdão.
A grande problemática deste Acórdão centra-se na delimitação dos pedidos que cabem no âmbito de uma acção executiva - admissibilidade do pedido de ressarcimento por todos os danos sofridos que decorreram do acto administrativo anulado.

II. Acção Executiva vs Acção Declarativa
O processo declarativo destina-se à pronúncia, por parte do tribunal, da solução que o Direito confere para as situações que são submetidas a julgamento, ao passo que o processo executivo tem como função a adopção de medidas que dão execução coactiva à decisão ou que adstringem o obrigado a cumprir com a decisão que foi proferida no âmbito da acção declarativa
Partindo desta distinção, pode-se concluir que o processo executivo carece de uma acção declarativa prévia.
No caso em análise, a deliberação da Assembleia Municipal foi impugnada no âmbito do processo declarativo (forma da acção administrativa) nos termos do artigo 37º, nº1, al.a) do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA).
A anulação da deliberação municipal constitui, à luz do artigo 50º, nº1 do CPTA, o objecto da acção de impugnação de um acto administrativo.
Perante a existência de um acórdão que anule um acto administrativo, o órgão que o emanou fica constituído, no prazo de 90 dias, no dever de reconstituir a situação que existia se o acto anulado não tivesse sido praticado (artigos 174º, nº1, 175º, nº1 e 173º, nº1 do CPTA).  Se a reconstituição da situação anterior à prática do acto anulado não ocorrer no prazo legalmente fixado, o interessado goza da faculdade de se dirigir ao tribunal pedindo a condenação da administração no cumprimento da execução da decisão (artigo 176º, nº2 do CPTA).
Regressando ao caso, no entendimento dos Exequentes, a decisão declarativa não foi tempestivamente executada pela Administração, pelo que intentaram uma acção de condenação no cumprimento da mesma, respeitando o prazo de 1 ano legalmente estabelecido (decisão de anulação do acto ocorreu a 10 de Maio de 2007 e a acção executiva deu entrada em juízo a 25 de Março de 2008).
Os exequentes consideram que o dever de reconstituição que cabe à Administração engloba o ressarcimento pelos danos que obtiveram pela privação do direito de alienarem o imóvel em condições normais de mercado, bem como a não possibilidade de licenciamento ou autorização de loteamento, construção ou outras eventuais obras durante a vigência da declaração de utilidade pública das expropriações; acrescentam ainda os danos não patrimoniais derivados da incerteza da solução final do litígio; por fim, requerem o pagamento de todos os encargos e despesas que tiveram com a interposição do recurso contencioso, bem como por esta acção executiva.
Contudo, a deliberação da Assembleia Municipal de Évora de 28 de Setembro de 2002, restituiu aos exequentes a titularidade do Direito de propriedade dos terrenos expropriados, o que leva o STA a considerar que neste momento houve cumprimento do dever de reconstituir a situação que existia aquando da prática do acto anulado (artigo 173º, nº1 do CPTA). O mencionado tribunal tem considerado que este dever apenas engloba a reintegração da situação a que o exequente tem direito, ficando excluído qualquer ressarcimento de todos os danos causados.
Este caso, remete, também, para a aplicação do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do estado e das demais Entidades Públicas. O artigo 1º, nº1 deste diploma estipula que esta lei é aplicada à responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas que provocaram danos no exercício da sua função administrativa, concretizando o nº2 do mesmo artigo a ideia de função administrativa; o artigo 3º deste regime impõe, a quem esteja obrigado a reparar um dano, o dever de reconstituir a situação que existia se não se tivesse verificado o evento que conduziu ao dano.
Os litígios referentes à responsabilidade civil extracontratual do Estado preenchem o âmbito de jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais nos termos do artigo 4º, nº1, al.f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
O actual CPTA no seu artigo 50º, nº3 determina que a impugnação de um acto administrativo exprime a intenção do autor em exercer o seu direito à reparação dos danos que sofreu com este acto sujeito a impugnação.
O artigo 4º, nº 2, al.a) do CPTA estabelece que é permitido cumular o pedido de anulação de um acto administrativo com o pedido de condenação da Administração a restabelecer a situação se o acto não tivesse sido praticado.
Os exequentes na acção declarativa de anulação da deliberação não cumularam o pedido de responsabilidade por danos e vieram invocar este direito na fase executiva.
Posto isto, os exequentes ao abrigo do regime vigente deveriam ter intentado a acção de responsabilidade civil extracontratual cumulada com o pedido de anulação da deliberação da Assembleia Municipal de Évora (artigo 4º/2CPTA) ou propor uma acção autónoma, ou seja uma acção de condenação ao ressarcimento dos danos, para esta finalidade e não o deviam ter intentado no âmbito do processo executivo.
Esta acção não poderia ser proposta em acção executiva sem que tivesse existido uma ação declarativa /acção administrativa comum que determinasse esse mesmo direito e que, consequentemente, a Administração não procedesse à reparação dos danos automaticamente (dever de executar a sentença – artigo173º e 176º do CPTA).

Os Exequentes alegaram que no momento em que foi intentada a acção, o regime de então não permitia a cumulação do pedido de indemnização ao pedido de anulação, pelo que só se poderia requer uma indemnização se o acto tivesse sido anulado numa acção prévia. Isto levanta problemas de aplicação da lei no tempo, o que não é muito relevante para o caso, uma vez que o que está, aqui, em causa é o limite do âmbito dos pedidos que podem ser efectuados no processo executivo e não a possibilidade de cumulação no meio da acção declarativa.


Marta Queiroz de Andrade,
nº22031
Utilização abusiva de providência Cautelar 

As providências cautelares têm como objetivo conferir uma tutela provisória de forma a impedir que durante a pendência do processo declarativo seja causada uma lesão grave e dificilmente reparável ao direito do cidadão posto em causa que possam por em perigo, no todo ou em parte, a utilidade da decisão. 
Sendo que cabe aos tribunais afirmar e proteger os direitos dos cidadãos, esta função, por vezes, implica que seja feita uma rápida defesa dos direitos ou interesses em causa que poderiam ficar irremediavelmente prejudicados devido à habitual demora dos , assim, através de uma providência cautelar obterá uma tutela provissória e mais célebre que visará impedir uma situação irreversível ou que produza danos demasiado gravosos.

Sendo que o direito a requerer aos tribunais a utilização de um mecanismo de providência cautelar e o decretar da mesma se encontra consagrado nos artigos 20° e 268/4° da Constituição da República Poetuguesa, este direito, como todos os outros direitos consagrados, tem limites à sua aplicação e ao seu exercício. 
Estando previsto no art.126°/1 do código de procedimento dos tribunais administrativos, doravante cpta,a figura da utilização abusiva da providência cautelar, causando este preceito alguma confusão quanto ao conceito de "utilização abusiva" e quanto à delimitação do âmbito de aplicação desta figura face a outros meios de tutela na ação, teremos de realizar uma análise e um enquadramento, a nível sistemático e dogmático, de forma a obtermos uma noção percetível deste preceito, para que este possa ser corretamente aplicável. 

Quanto ao facto de se aplicar uma taxa sancionatória excepcional, que se encontra prevista no art. 531° do código processo civil, percebemos que esta trata-se de uma sanção para quem faça uso abusivo da providência cautelar e sendo que também terá um papel dissuasor de forma a evitar a utilização das providências cautelares de formas inúteis e indiligentes ou imprudentes, não sendo esta taxa sancionatória excepcional uma forma do requerente responder pelos danos que tenha causado ao requerido e os contra-interessados. 
Uma outra questão que pode ser levantada quanto à possibilidade de aplicação encontra-se no facto de que a aplicação desta taxa apenas depende de uma decisão fundamentada do juiz, sendo que a utilização abusiva, segundo o número 2 do artigo 126° do cpta, depende da solicitação da indemnização pelos terceiros lesados pela administração. Assim e segundo art. 531° do código de processo civil, a taxa sancionatória excecional tem uma função mais alargada, sendo esta aplicada quando " a ação,oposição, requerimento, recurso, reclamação, ou incidente seja manifestamente improcedente a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida. Quanto ao fato do art. 126°/1 do cpta falar em utilização abusiva, esta poderia ser confundida com responsabilidade, no caso, de má fé, prevista nos artigos 542° e seguintes do código processo civil. Sendo que  a utilização abusiva do art. 126/1° do cpta poderia ser confundida com a litigância de má-fé prevista no art. 542°/2/ d) do cpc, quanto à questão do cidadão ter feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente improvável. Esta distingue-se da utilização abusiva também pelo âmbito de aplicação que cada mecanismo tem, a utilização abusiva encontra-se restrita as providências cautelares, já litigância de má-fé do art. 542°/2/d) do cpc abrange a totalidade do processo e dos meios processuais utilizados no mesmo.
Outra diferença entre estes dois mecanismos trata-se dos danos que o requerente causou e terá de responder segundo o art. 126°/1 do cpta, tratando-se portanto este dano de um pressuposto do art. 126°/1 do cpta. Já na litigância de má-fé do art. 542°/2/d), não está em causa o ressarcimento de danos, não se encontrando assim o dano como pressuposto da litigância de má-fé.
Outra questão que podemos observar é o facto de que a finalidade na litigância de má-fé difere da finalidade da utilização abusiva. Isto é claro pela redação dada ao art. 542°/1 do cpc, que refere em primeiro lugar a multa e só em segundo lugar coloca a indemnização, estando esta sujeita ao pedido da parte contrária, sendo a finalidade da litigância de má-fé principalmente punitiva e acessóriamente compensatória. Já na utilização abusiva da providência cautelar, ambas as finalidades se encontram no mesmo patamar, não dependendo a a finalidade compensatória da utilização abusiva da providência cautelar da aplicação pelo juíz de taxa sancionatória excecional. 

Outra distinção que deve ser feita de forma a que o preceito do art. 126°/1 do cpta seja aplicado corretamente, consiste na distinção entre a utilização abusiva e a figura do abuso de  que se encontra prevista no art. 334° do código cívil. 
Esta distinção é algo mais complicada uma vez que ambas se baseiam num exercício juridicamente reprovável por parte de uma posição jurídica ativa de caráter processual. Como tal, há que analizar ambas as figuras, de forma a que a figura de utilização abusiva  do art.126°/1 do cpta não seja confundido com a figura do abuso de direito do art. 334° do código cívil. 
Uma das diferenças planteia-se no fato do abuso de direito se basear na ilegitimidade do exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, como refere o art. 334° do código civil. Sendo que ao contrário do que sucede com a utilização abusiva do art. 126°/1 do cpta, a indemnização decorrente do abuso de direito é secundária ou acessória e depende da verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil. Já o art. 126° do cpta está direcionado e tem como pressuposto para a sua aplicação a responsabilidade pelos danos e o ressarcimento dos mesmos. Outra distinção baseia-se no fato do art. 126°/1 do cpta consagrar expressamente o requisito da culpa para que haja lugar a indemnização. Já para o abuso de direito a culpa é irrelevante por ter importância apenas para a indemnização por via dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo a indemnização algo secundário para o abuso de direito assim será a culpa também. 

Feita esta análise, podemos concluir que a norma do art.126°/1 do cpta se trata de um caso de responsabilidade por ato processual ilícito, uma vez que a utilização abusiva da providência cautelar se trata de uma manifestação de vontade, dolosa ou culposa, que viola um direito e que provoca danos, seja com dolo, ou negligência grosseira, podendo este dano ser produzido por ação, omissão ou negligência. 

Mas, no fundo, qual é o maior problema do art. 126°/1 do cpta? 
Este encontra-se na classificação de um requerimento de providência cautelar como "abusivo". Sendo que estamos perante um conceito vago e indeterminado, não sendo fácil encontrar uma "fórmula" para as "zonas cinzentas" ou para classificar sem dúvidas nenhumas que se trata de uma utilização abusiva da providência cautelar em questão. 
Assim, há que entender que a utilização abusiva da providência cautelar é aquela cujo exercício do direito de requerer uma providência cautelar, violar o princípio da boa fé processual, que encontramos consagrado no art. 8° do cpta, ou poderá ser feita uma referência a figuras afins já existentes, de forma a densificar melhor este conceito dúbio, considerando que a figuta afim mais relevante que podemos fazer apelo seria a de litigância de má-fé do art. 542°/2/d) do código de processo civil, por se tratarem ambas as figuras de institutos com origens e fins processuais. 
Cíntia Mantinha 
N° 23362 


Bibliografia: 

- António Menezes Cordeiro, Litigância de má-fé, abuso de direito de ação e " culpa in agendo";

- Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo;

- José Lebre de Freitas/ A. Montalvão Machado/ Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado;

- Pedro de Albuquerque, Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de atos praticados no processo;

- Paulo Pimenta, Processo Civil declarativo.

A Una Competência dos Tribunais Administrativos face à Celebração Contratual da Administração



A premente necessidade de existir uma figura - o juiz - habilitada a solucionar litígios decorrentes da actuação administrativa deu origem à criação de uma jurisdição exclusiva da Administração Pública. Por conseguinte, com base numa concepção monista, todo e qualquer acto da administração passou a ser apreciado pelo juiz administrativo. A justiça administrativa - resultante de um Estado de direito submisso ao princípio da separação de poderes - seria indissociável de um Estado administrativo devidamente caracterizado pela sujeição da Administração a um regime especial composto por tribunais próprios - estando autonomizado processual e substancialmente um sistema administrativo.
O processo de autonomização da actividade contratual da Administração não se verificou, apresentando o enquadramento dos contratos um problema real de delimitação da competência entre os tribunais administrativos e judiciais. Por força de um receio dos primeiros, deu-se uma separação entre os poderes Executivo e Judicial, originando uma restituição ao foro civil dos litígios contratuais que se encontravam sob a égide da Administração. O princípio da separação dos poderes desempenhou o seu papel: para além de se impor um controlo jurisdicional como garantia dos particulares, relevaria estabelecer que juiz o deveria exercer. A desconfiança quanto ao juiz administrativo era justificável: detendo cumulativamente o poder de administrar e de julgar, comprometia directamente a segurança dos indivíduos perante a Administração -  para além de que o julgamento dos processos nos tribunais comuns respeitantes a litígios de ordem administrativa eram lentos e comportavam avultados custos, sendo as decisões resultantes excessivamente favoráveis aos particulares e altamente desfasadas face às necessidades destacadas no caso concreto.
Desta feita, por força da supramencionada desconfiança face ao juiz administrativo e à referida protecção excessiva dos particulares nos tribunais comuns, deu-se uma repartição do contencioso contratual administrativo entre os tribunais administrativos e os judiciais. À questão da repartição da competência jurisdicional acresceu a da aplicação do direito à solução do litígio, prevalecendo a ideia de que as actividades da Administração deveriam estar sujeitas a um regime público e especial, sendo que nas actividades que em nada diferiam das dos particulares seria directamente aplicável o direito comum. Como tal, o critério para aplicação do regime administrativo e da repartição jurisdicional deixou de ser meramente orgânico e converteu-se no da natureza material da actividade em causa, podendo esta ser de direito público ou privado.
Surge, consequentemente, a distinção entre actos de autoridade e de gestão da Administração Pública, sendo que, nos primeiros, a Administração sujeita-se ao direito público e, nos segundos, ao privado, - independentemente da qualidade do autor. Constituindo o direito privado a regra geral, a submissão da Administração ao direito público constituiria uma solução entendida como excepcional. Sendo a actividade típica desta um acto de autoridade mormente unilateral, nas situações em que a mesma não aja de forma típica não são excedidas as faculdades dos particulares, podendo celebrar contratos tal como um particular. Tratando-se o contrato de um acto de gestão, estaria submetido ao regime privado e à competência dos tribunais judiciais independentemente da matéria, sendo possível concluir que a competência e o regime advinham do direito privado não obstante a autonomização processual e substantiva da administração. Em suma: apesar do dualismo patente na separação das competências jurisdicionais, em matéria contratual o sistema era monista.
O Decreto-Lei n.º 23 de 16 de Maio de 1832 veio estabelecer que pertencia à competência do Conselho de Prefeitura o julgamento das dificuldades e questões que se suscitarem entre os empreiteiros e arrematantes de quaisquer rendas, trabalhos ou fornecimentos públicos, e a Administração, relativos ao sentido ou execução das cláusulas dos seus contratos’’, atribuindo competência à jurisdição administrativa em matéria contratual. Reconduzindo-se esta a contratos tipificados tais como a empreitada, as obras e os serviços públicos, constata-se que a Administração passou a ser jurisdicionalmente competente para dirimir conflitos no âmbito dos contratos, sendo estes regulados pelos tribunais administrativos ao abrigo do regime administrativo. Todavia, ainda não era possível distinguir contratos administrativos de contratos privados da Administração no âmbito substantivo e processual, vigorando ainda o sistema monista em matéria contratual - ainda que sob jurisdição administrativa. Tal distinção vem a desenhar-se por esta altura no plano processual com o objectivo de evitar uma potencial aparência de cláusula geral que se subtrai a todos os contratos em que a Administração pudesse sobrepor-se ao foro civil, determinando-se que, a par dos contratos administrativos, poderiam eventualmente existir contratos privados da Administração que teriam tal denominação por não encontrarem previsão na lei administrativa. A enumeração dos contratos tinha uma espécie de efeito meramente jurisdicional para que os contratos em questão fossem submetidos a jurisdição administrativa para efeitos contenciosos. A lógica era essencialmente a de que os contratos tidos como administrativos - por terem como parte a Administração e por estarem previstos na lei administrativa - não deixavam, contudo, de ser actos de gestão na medida em que podiam ser celebrados por qualquer particular.
O Decreto-Lei n.º129/84, de 27 de Abril, veio aprovar o ETAF e o CPA, determinando o artigo 9.º/1 ETAF que se entendia como contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual seria constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo’’, enumerando o n.º2 do mesmo artigo o elenco de contratos tidos como administrativos. De igual forma, o artigo 178º CPA dispunha o mesmo conceito e subsequente enumeração. 
Embora o Estado possa recorrer a actuações privadas, não pode imbuir-se de uma verdadeira autonomia privada visto que exerce primeiramente o poder público. A actuação contratual da Administração não deveria reconduzir-se a uma degeneração da posição jurídica dos particulares - até então colocada em causa - no âmbito dos direitos fundamentais pela ausência de um sistema de garantia dos particulares. Desta feita, aceitou-se uma vinculação geral da Administração aos direitos fundamentais, dando azo ao aparecimento de teorias que vinculavam a Administração ao Direito Público ainda que em actuações privadas.
O Decreto-Lei nº 55/95, de 29 de Março veio transpôr as Diretivas 92/50/CEE e 93/36/CEE, estabelecendo estas o regime de realização de despesas públicas com empreitadas de obras públicas e a aquisição de serviços e bens, assim como o da contratação pública respeitante à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis. Posteriormente, foi substituído pelo Decreto-Lei n.º197/99, de 8 de Junho, submetendo-se a contratação privada da Administração Pública a regras idênticas às aplicáveis aos contratos administrativos, nomeadamente no plano da formação do contrato. O Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio veio, então, consagrar a possibilidade de utilização do recurso contencioso, assim como de um novo meio processual acessório: as medidas provisórias contra actos administrativos referentes à formação de contratos da Administração Pública, embora não fossem necessariamente contratos administrativos.

O surgimento do Código dos Contratos Públicos visou transpor as diretivas comunitárias referentes à celebração de contratos públicos de empreitada de obras públicas, de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços[1], sendo aplicável a todo e qualquer contrato celebrado pelas entidades adjudicantes[2] em si previstas cujo objecto abarcasse prestações susceptíveis de submissão à concorrência de mercado[3]. A relação jurídica contratual administrativa é, hoje em dia, caracterizada não só em função de um critério orgânico mas também de um critério teleológico. É a prossecução do interesse público que justifica uma submissão unitária ao Direito Administrativo e ao Contencioso Administrativo. Todavia, continuam a relevar as diferenças de regime dos contratos administrativos face aos privados. Quando celebrados, estes últimos só poderão modificar-se após mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos especialmente admitidos pela lei - o que não acontece quanto aos contratos administrativos, na medida em que a Administração pode rescindir unilateralmente o contrato independentemente do incumprimento da outra parte.
Em suma, o artigo 4.º nº 1 alínea e) ETAF contempla uma uniformização clarificadora ao estabelecer que é da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões práticas de validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública - seja por pessoas colectivas de direito público, seja por outras entidades adjudicantes. A competência dos tribunais administrativos é extensível a litígios que possam referir-se a futuros contratos puramente privados.

Diogo Ilyas Baig, n.º 21955

Bibliografia:
ESTORNINHO, Maria João, Requiem Pelo Contrato Administrativo, Almedina, 1990
VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa, Almedina, 14ª Edição, 2015
REBELO DE SOUSA, Marcelo, SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª edição, 2008, Publicações Dom Quixote, Lisboa
ANDRADE DA SILVA, Jorge, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, 2ª edição 2009
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª edição, 2011, Almedina, Coimbra
AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, 2013, Almedina, Coimbra


[1] Diretivas 2004/18/CE e 2004/17/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004
[2] Artigos 2.º e 3.º do Código dos Contratos Públicos
[3] Artigos 1.º/2 e 16.º/1 do Código dos Contratos Públicos