segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Condenação à emissão de Normas Administrativas

I.                    Conceito de Regulamento Administrativo
A noção de Regulamento Administrativo não é idêntica para efeitos de procedimento e processo administrativos. No âmbito do procedimento administrativo os regulamentos caracterizam-se por serem normas jurídicas gerais e abstrata – multiplicidade de destinatários e de situações - conforme dispõe o artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Diversamente, no âmbito processual tem-se vindo a considerar, que basta uma destas características – generalidade ou abstracção - estar verificada para se estar perante um Regulamento Administrativo.[1]
II. Acção de Condenação à emissão de normas
O artigo 77° do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) destina-se a permitir que sejam intentadas ações com a finalidade de condenarem a Administração ao cumprimento do dever de emissão de normas administrativas necessárias à execução de actos legislativos que carecem de regulamentação (artigo 77°, n°1, parte final do CPTA).
Tendo a Administração a possibilidade de atuar ao abrigo de um poder discricionário torna-se necessário aferir se existe uma relação de exclusão entre discricionariedade regulamentar e omissão ilegal de normas administrativas.
Primariamente, importa referir que o poder discricionário regulamentar abarca quer as situações em que a lei atribui a um órgão administrativo a possibilidade de decidir se emite, ou não, um regulamento, quer aquelas em que determina a produção regulamentar, deixando, apenas, à Administração liberdade de definir o conteúdo normativo mais apto à prossecução do interesse público.
Feita esta pequena consideração, pode-se afirmar que “não existe uma relação de mútua exclusão entre discricionariedade regulamentar e omissão ilegal de norma administrativa”[2], na medida em que a imposição legal de criação de um regulamento pode levar a Administração a elaborar outras disposições normativas.
O dever de regulamentar aparece, muitas vezes, ligado à estipulação de um prazo legal para a emanação de normas administrativas, pelo que a sua violação conduz à existência de uma omissão ilegal.
Contudo, o facto de não existir um prazo não significa que a Administração não tenha o dever de regulamentar. Isto sucede no âmbito dos atos legislativos que não são auto exequíveis, e que, por isso, carecem de um regulamento que lhes deem exequibilidade o que faz com que a Administração esteja vinculada a emitir um regulamento (artigo 77º do CPTA).
Nos casos de ausência de um prazo, a jurisprudência tem seguido o entendimento de que cabe ao órgão administrativo competente aprovar, num espaço temporal razoável, regulamentos que sejam necessários à aplicação de atos legislativos.

III. Legitimidade Processual Ativa
O CPTA confere legitimidade ao Ministério Público, aos autores populares (entidades mencionadas no artigo 9º/2 do CPTA) e a quem alegue um prejuízo direto emergente da omissão ilegal de normas para intentarem ações de condenação de normas. Ao primeiro, na medida em que lhe compete garantir o respeito pela legalidade administrativa, os segundos em sede de defesa dos interesses e bens tutelados pela Constituição e os terceiros para defesa de direitos subjetivos.
Agora, coloca-se a questão de saber em que contexto tem um sujeito o direito à emissão de uma norma regulamentar sabendo que: 1) o procedimento regulamentar pauta-se pela iniciativa pública, apesar de os particulares, à luz do artigo 97º do CPA, poderem apresentar ao órgão competente uma petição em que solicitem a elaboração de um regulamento administrativo; 2) a existência do direito à emissão de normas administrativas provém do ato legislativo carecido de regulamentação.
A jurisprudência considera que este direito existe quando da omissão ilegal decorra um prejuízo direto e atual para o interessado (aplica a disposição do artigo 77º do CPTA).
IV. Existência de uma situação de ilegalidade por omissão
 Verificada a existência de uma situação de ilegalidade por omissão, o Tribunal tem o dever de estabelecer um prazo para que a omissão seja suprida (artigo 77º/2 do CPTA). Decorrido este prazo cabe ao interessado intentar uma ação executiva da sentença condenatória (artigos 164º/4, al.d) e 168º do CPTA) que culmina com uma sanção pecuniária compulsória (artigo 169º do CPTA).
A sentença só pode conter a condenação da Administração à prática da norma devida, não podendo determinar o seu conteúdo sob pena de violar o princípio da separação de poderes consagrado constitucionalmente.

V. Bibliografia

 Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2016
Moniz, Ana Raquel Gonçalves, Estudo sobre os regulamentos administrativos, Almedina, 2ªEdição, 2016
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise, Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, Almedina, 2ª edição



[1] “ (…) todas as disposições unilaterais que sejam só gerais, ou só abstractas, para além das que possuam ambas as características, são de considerar como regulamentos administrativos.”, Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise , Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, Almedina, 2ª edição, página 413.
[2] Ana Raquel Gonçalves Moniz, Estudo sobre os regulamentos administrativos, Almedina, 2ªEdição, 2016, página 283.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Breve Análise da Conceção de Pessoa Coletiva Pública

Uma pessoa coletiva é uma entidade destinada à prossecução de certos fins comuns e à qual o Direito atribui a qualidade de pessoa jurídica, ou seja, a capacidade de terem direitos e obrigações. 

Podem assumir diversas formas, dividindo‑se em pessoas coletivas de Direito privado e de Direito público. Distinguem‑se ainda consoante o respetivo fim (se de interesse público ou particular), o regime aplicável (direito administrativo ou direito privado), a sua criação (pelo poder público ou por privados). A melhor forma de determinar o carácter público ou privado de uma pessoa coletiva é verificar a verificação de vários desses critérios simultaneamente.

Sérvulo Correia aponta que a distinção, a ser operada, nunca deveria tomar como base a titularidade de uma capacidade de direito público ou de direito privado dado que, por um lado, todas as pessoas coletivas têm capacidade de direito privado e, por outro lado, é comum que pessoas de direito privado detenham capacidade de direito público.

Em matéria de legitimidade passiva, o regime regra consta do art. 10º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), determinando que a mesma corresponde à contraparte na relação material controvertida tal como esta é configurada pelo autor. Deve o autor, portanto, demandar em juízo quem estiver colocado em posição contraposta à sua, no âmbito da relação material controvertida.

Em termos históricos, os processos de anulação de atos administrativos nasceram, no contencioso administrativo francês, como processos sem partes, em que a Administração figurava como “autoridade recorrida” e não enquanto entidade demandada, sendo este um dos “velhos traumas” apontados pelo Professor Vasco Pereira da Silva[1] em que se confundia administrar com julgar, estando a Administração em posição correspondente ao juiz a quo quando alguém interpusesse recurso para uma instância superior da decisão que ele proferiu[2].

Para suprir este trauma, o art. 10º nº 2 do CPTA identifica claramente a Administração enquanto parte, ao dispor que nas ações relativas a atos ou omissões administrativas “a parte demandada é a pessoa coletiva de Direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.

Suplanta-se o trauma através do princípio da igualdade das partes, mas o legislador peca ao optar pela inserção do conceito de “pessoa coletiva pública” que tem sido objeto de controvérsia.

Urge atender às alterações relevantes da Administração Pública no moderno Estado Pós-Social, transformações essas que conduziram a uma complexidade da organização administrativa de modo a que, não possamos hoje em dia, apontar apenas um único sujeito de imputação de condutas administrativas, o que torna censurável a opção do legislador pelo conceito de pessoa coletiva pública.

Estas transformações evidenciam a inclinação para a autonomização das autoridades administrativas, tendência acompanhada também pelo ordenamento jurídico porque se parte do entendimento de que estas são sujeitos de Direito, passíveis da titularidade de posições jurídicas ativas e também passivas, propensão também verificada nas normas constitucionais, as quais se referem tanto a pessoas coletivas, como a órgãos administrativos (arts.266º e seguintes da Constituição da República Portuguesa), e nos arts. 13º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, que se ocupam dos órgãos públicos, atribuindo-lhes importantes poderes de atuação nas relações administrativas.

É fundamental agora entender qual o objetivo da introdução deste conceito no art. 10º, nº 2 do CPTA. Esta inovação pretendia alcançar dois objetivos fundamentais: o primeiro, facilitar a determinação, pelo autor, da entidade com legitimidade passiva; e segundo, permitir a cumulação de pedidos que sigam diferentes formas de processo.

Relativamente ao primeiro, não parece clara a aplicação desta regra, na medida em que, pode tornar-se labiríntico identificar a entidade demandada. Contemplemos um exemplo: o caso de atos ou omissões imputáveis a órgãos ad hoc (júris de concursos) ou de estruturas constituídas para a prossecução de missões temporárias (equipas de missão)[3].

É, no entanto, importante referir que, para efeitos de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e de efetivação de responsabilidade disciplinar e criminal, terá de se desconsiderar a personalidade jurídica pública, uma vez que estas sanções afetam diretamente os titulares dos órgãos incumbidos da execução da sentença (arts.159º nº 1 b) e 169º nº1 do CPTA).

Apesar das críticas apontadas à preferência pela pessoa coletiva pública, não se poderá deixar de reconhecer que a solução legislativa adotada é suficientemente “aberta” para permitir resolver os problemas mencionados. O facto de o nº 4 do art. 10º do CPTA considerar como “regularmente proposta a ação quando, na petição inicial, tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o ato impugnado ou, perante o qual, tinha sido formulada a pretensão do interessado”, demonstra a “porta aberta” que se criou para a intervenção processual das autoridades administrativas e não apenas para as pessoas coletivas.

Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva[4] devemos analisar este artigo no sentido da consagração da regra alemã, segundo a qual deve estar em juízo a autoridade administrativa responsável pelo comportamento litigado.

Concluindo, esta reforma veio consagrar uma solução de preferência pela pessoa coletiva como sujeito processual; porém, veio fazê-lo através de uma feição aberta, por meio de normas que, na prática, permitem a intervenção processual das autoridades responsáveis pelos comportamentos administrativos em litígio, ainda que, consideremos que o fazem em “representação” da pessoa coletiva, sendo portanto a pessoa coletiva pública, uma forma de embelezamento do contencioso administrativo.


[1] VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2008, p. 273.
[2] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “O novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, p.47.
[3] VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2008, pp. 274 ss.

[4] VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2008, p.281.

A Arbitragem Administrativa



           No que respeita à estrutura organizatória dos tribunais do Estado, este é composto quer por tribunais administrativos (os quais se encontram previstos no artigo 209/1/CRP), quer por tribunais arbitrais (os quais se encontram previstos no artigo 209/2/CRP), podendo, portanto, o processo administrativo ser desenvolvido perante qualquer um destes dois tribunais. Não está previsto, em consequência, uma reserva jurisdicional estadual sobre litígios que envolvam a administração. A arbitragem administrativa significa, assim, a arbitragem sobre dirimir litígios de natureza administrativa, os quais podem dizer respeito, quer à constituição em responsabilidade civil extracontratual por danos causados pela A.P, no âmbito da sua actividade de gestão pública, quer à interpretação, validade e execução de contratos. A arbitragem é, pois, um dos modos de regulação de litígios, que pode ser definido como sendo um “negócio jurídico processual através do qual as partes atribuem legitimidade para resolver conflitos a tribunais sem natureza permanente, constituídos ad hoc”

         O referido artigo 209/2/CRP consagra a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais, afastando-se, claramente, dos regimes jurídicos dos outros países, em que se limita a admitir a admissibilidade do recurso à arbitragem como uma forma de resolução de litígios.

Esta temática da arbitragem está prevista nos artigos 180 a 187 do CPTA, no Título VIII. O artigo 180/1/CPTA, enuncia, enquanto permissão genérica (por categorias de matérias) para os particulares poderem recorrer à arbitragem, no que respeita a matérias de Direito Administrativo, um conjunto de matérias que podem ser regulamentadas por via da arbitragem. Este artigo, por ser uma norma especial face à Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), alarga o elenco de matérias que podem ser sujeitas a arbitragem.

            Com o artigo 180/1/CPTA, passou-se a possibilitar, em termos gerais, que, no que respeita aos litígios no âmbito da fiscalização da legalidade de actos administrativos, estes podem ser submetidos a arbitragem. Atendendo à primeira parte do preceito “sem prejuízo do disposto em lei especial”, pode haver situações que o legislador sectorial entenda dever ser tratada por parte dos tribunais administrativos dos Estados, isto é, remeter para a reserva constitucional da jurisdição do Estado, por estarem em causa interesses públicos relevantes ou, então, por respeitarem a direitos indisponíveis dos particulares. É com esta consagração que se consolidou a mudança de posição, daquilo que era o entendimento tradicional.

            Ao analisarmos no artigo 180/1/a/CPTA, verificamos que, hoje, esta alínea permite, em matéria de contratos, aferir da validade dos mesmos, podendo proceder, se necessário for, à anulação ou à declaração de nulidade dos actos administrativos que dêem execução ao contrato, praticados pelo contraente público. Esta nova introdução, com a revisão de 2015, apresenta a clara vantagem, em termos de celeridade do processo e de economia processual, de que, no mesmo processo, seja apreciada, ao mesmo tempo, toda a relação material controvertida.

            Com a revisão de 2015, o artigo 180/1/c/CPTA passou a prever a possibilidade de haver arbitragem no que respeita à validade de actos administrativos, ou seja, dos tribunais arbitrais poderem, a título principal, e não incidental, apreciar estas questões, o que, anteriormente, era impensável.

            Temos, no nosso ordenamento jurídico, dois tipos de arbitragem: a arbitragem institucional, a qual se caracteriza por ser uma arbitragem permanente, e que se encontra prevista no artigo 187/CPTA; a arbitragem não institucional, a qual se caracteriza por ser uma arbitragem não permanente, que só funciona quando os particulares, de modo voluntário, se dirigem aos tribunais arbitrais, pois aí querem ver dirimidos os seus conflitos, extinguindo-se, pois, com a resolução dos mesmos. É este último tipo de arbitragem que se encontra previsto na Lei da Arbitragem Voluntária. Esta caracteriza-se por ser expressão da participação dos cidadãos no exercício das suas funções estaduais, acordando, as partes, entre si, em submeter o litígio a um ou mais juízes arbitrais especializados, cuja decisão, por eles proferida, a qual tem a natureza de sentença, faz caso julgado.  Todavia, para que se produza este referido caso julgado em relação a todos os que intervierem no processo, é necessário que, havendo contra-interessados no litígio, estes aceitem o compromisso arbitral, os quais, aliás, têm de ser demandados, atento o disposto no artigo 57/CPTA, aplicado analogicamente.

            No que respeita, agora, à arbitragem voluntária, esta assume uma importância cada vez maior. Tal deve-se ao facto de, cada vez mais, as matérias que emergem dos litígios jurídico-admistrativos serem complexas e bastante especializadas, o que reclama, das mesma forma, uma maior especialização por parte dos tribunais. Ora, são precisamente os juízes dos tribunais arbitrais que se encontram, quando comparados com os juízes dos tribunais admistrativos, mais preparados e especializados para resolverem os litígios que lhes são submetidos de forma mais adequada e preparada ao caso concreto.

            Atento o seu regime jurídico, podemos verificar que, de acordo com o artigo 182/CPTA, o interessado tem o poder de exigir à administração a celebração de compromisso arbitral, para o julgamento das matérias elencadas no artigo 180/CPTA. Será que ainda estamos no domínio da denominada arbitragem voluntária, ou já se estará perante arbitragem forçada? Para Cabral de Moncada, por exemplo, é um verdadeiro acto devido a concessão do compromisso arbitral por parte da administração aos interessados, estando vinculado a tal dever, pelo que, em caso de incumprimento, pode o particular, se assim o entender, intentar uma acção à condenação à prática de acto devido, junto dos tribunais administrativos, que se encontra previsto no artigo 66/1/CPTA. Em oposição a este entendimento, temos a opinião de Mário Aroso de Almeida. Segundo este professor, bem como para Fausto de Quadros, a administração não se encontra obrigada a aceitar tal compromisso arbitral, podendo, pois, recusar. Acompanha a posição destes dois últimos professores, uma vez que, a meu ver, a administração, atenta a letra do preceito, não nos parece indicar no sentido que haja uma autêntica vinculação da administração na outorga do compromisso arbitral, mas, apenas, que aquela tem, sim, o dever de dar uma resposta ao particular, independentemente desta ser em sentido positivo ou negativo. Não estamos perante um direito potestativo, no sentido de que o início do processo arbitral estaria apenas na dependência da vontade unilateral do interessado, tendo a administração a obrigação de aceitar o compromisso arbitral. Caso não seja aceite, há lugar a negociações entre as partes para se chegar a um acordo.

            O artigo, na sua parte final, remete para lei própria a determinação dos casos e termos em que esse direito pode ser exercido, “nos casos e termos previstos na lei”. Diz-nos Aroso de Almeida que devia ser elaborada essa mesma lei, a fim desta determinar os domínios em que aos interessados é reconhecido, agora sim,  a existência de um verdadeiro direito potestativo à outorga de compromisso arbitral, sem necessidade de haver um concordância por parte da entidade pública, concretizando, paralelamente, os moldes em que a titularidade desse direito podia ser invocado.        

          Em relação aos limites que a estes juízes arbitrais são impostos, temos, desde logo, o facto destes se encontrarem vinculados, de forma semelhante ao que acontece com os juízes estaduais, a garantias de independência, imparcialidade e isenção. Concretizando um pouco mais estes limites, e atento o disposto no artigo 180/1/d/CPTA, não podem ser criados tribunais arbitrais para se dirimirem litígios concernentes a matérias em relação às quais os particulares não têm poder de disposição, por dizerem precisamente, respeito a direitos e interesses indisponíveis. O legislador atendeu ao critério da disponibilidade do direito, só podendo ser submetido a arbitragem direitos que as partes podem constituir e extinguir por acto de vontade, e aos quais podem livremente renunciar. À luz do artigo 185/CPTA, não pode haver arbitragem em matéria de responsabilidade civil por prejuízos que decorram do exercício das funções aí descritas, sendo tal da competência dos tribunais estaduais, tem cumprimento do artigo 4/1/f/ETAF. Além disso, a criação de tribunais arbitrais está sujeita à reserva de competência da A.R, de acordo com o artigo 165/1/p/CRP.  

            Concluo, assim, e relembrando que a arbitragem constitui um verdadeiro direito dos particulares de acesso à tutela jurisdicional efectiva (268/4 e 20/1/CRP), reiterando a importância que deve ser dada aos tribunais arbitrais na resolução de litígios, sobretudo os de contornos mais complexos e particulares, que reclamam uma maior especialização e proximidade à realidade, por forma a ser emitida uma decisão mais justa, célere eficaz e adequada ao caso concreto. É, pois, necessário, valorizar estas formas alternativas de resolução de litígios, como sejam os centros de arbitragem permanentes do artigo 187/CPTA (como é, aliás, o caso do Centro de Arbitragem Administrativa), por forma a não comprometer a tutela efectiva dos direitos dos particulares em tempo útil.

Bibliografia:

- Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2016                                                                                                             


- Quadros, Fausto de, “Arbitragem “necessária”, “obrigatória”, “forçada”: breve nota sobre a interpretação do artigo 182 do CPTA, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume II, Coimbra, 2012

Inês Loureiro da Costa, nº24843, Subturma 8

Processo urgente vs processo cautelar

“Maximiano, sofrendo de doença oncológica, perante a demora da Caixa Geral de Aposentações em deferir o seu pedido de aposentação, solicita ao  TAF de Lisboa que condene aquela entidade administrativa a proceder à marcação de uma junta médica que examine o caso e, consequentemente, lhe conceda a aposentação”. (caso 5)

Perguntava-se, então, qual o meio processual que poderia tutelar mais efectivamente a pretensão de Maximiano. A resposta a esta questão, com base nos elementos enunciados no caso, será o objecto da presente publicação.

I.
Antes de nos adiantarmos a formular qualquer conclusão, cumpre, em nome de um rigor metodológico, analisar os termos em que o autor solicitou tutela jurisdicional.

O pedido: a marcação da junta médica.

O decreto-lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, que prevê o Estatuto da Aposentação, atribui o direito de aposentação a subscritor(1) que, tendo pelo menos cinco anos de serviço(2), seja declarado em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções (art.º 37º/2).

A atribuição do direito de aposentação consubstancia a prática de um ato administrativo, na medida em que se trata de uma definição unilateral de efeitos jurídicos, decorrente de normas jurídico-administrativas, numa situação individual e concreta. A entidade administrativa competente (a CGA), ao permitir a cessação justificada do contrato de trabalho (art.º 99º Estatuto) e a concessão de um direito a uma pensão mensal vitalícia (art.º 46º Estatuto), está a conformar unilateralmente a esfera jurídica de Maximiano (bem como a da entidade empregadora).

O requerimento do interessado dá início ao procedimento de aposentação (art.º 84º/1 Estatuto) e constitui a administração no dever legal de decidir sobre o mérito questão. Diz-nos o princípio da decisão que os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados (art.º 13º/1 CPA). Na falta de disposição especial, o prazo é de 90 dias úteis (art.º 128º/1 CPA).

A questão de se saber se alguém é absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções é essencialmente técnica, pelo que tem a administração da CGA de convocar uma junta médica: a junta delibera no sentido de concluir se os resultados apresentados no relatório médico (art. 89º/1, 90º/1 e 91º/2 Estatuto) se inscrevem no âmbito daquela situação, formulando um parecer para a tomada de decisão final, que caberá à administração da caixa (art.º 97º Estatuto, art.º 91º/2 CPA).

Embora a decisão final o seja, e negligenciando a questão da natureza jurídica do parecer(3), a marcação da junta médica traduz-se numa simples atuação administrativa. Entendemos não ser um ato que se destina a produzir efeitos numa situação individual e concreta, mas, sim, um ato que visa permitir o conhecimento ou a produção de efeitos de um outro ato, qualificável como verdadeiro ato administrativo(4).

Conclui-se, assim, que Maximiano pede ao TAF de Lisboa que condene a Caixa Geral de Aposentações na prática de uma simples atuação administrativa.


II

“A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido...” (art.º 66º/1 do CPTA)

A marcação da junta médica não é efectivamente um ato administrativo, stricto sensu, mas é inegável a existência de um relação de acessoriedade em relação à atribuição do direito de aposentação ou sua rejeição. O objecto da condenação à prática do ato devido não seria a marcação da junta médica, mas o cumprimento do dever de decidir. Sendo certo que para tomar a decisão final a administração tem de marcar a junta médica. Neste sentido, admite-se a condenação da entidade competente à prática de um ato administrativo como via processual idónea a atingir a finalidade visada pelo autor.

O pressuposto que não se tem por verificado é o da ilegalidade da omissão. Nos termos do art.º 129º do CPA, a falta, no prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente(5) constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados. Conforme se deduz do enunciado do caso, o prazo de 90 dias (art.º 128º/1 CPA) não foi ultrapassado, pelo que a omissão de decisão da administração não enforma qualquer ilegalidade. Não se admitindo, por esta razão, o recurso à condenação na prática do ato devido.

Mas, todavia, antes de se recorrer à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, cumpre analisar o caso à luz da eventualidade da admissibilidade do referido meio processual, para efeitos da distinção entre aquela figura, que se insere no âmbito dos processos urgentes, e os processos cautelares.


“Alega que corre grave risco de vida por continuar a trabalhar, pelo que pede que estas decisões sejam adoptadas num prazo de 48 horas”. (caso 5)

Verifica-se aqui uma situação de periculum in mora. Atendendo ao facto de o processo (ou procedimento) se traduzir numa sucessão de atos, não se esgotando num só, e que a cada ato corresponde um momento temporal, podendo ser imediato ou deferido por um determinado período previamente determinado (prazo). Pode-se dar o caso de a demora inerente ao curso normal do processo ser susceptível de colocar em perigo a própria utilidade do mesmo.

Considerando que Maximiano, se continuar a trabalhar, corre risco de vida, dir-se-á que uma decisão de mérito da administração, tomada dentro do prazo legal, no sentido da atribuição do direito à aposentação, não terá qualquer efeito útil se entretanto este vier a falecer.

Pelas razões expostas, conclui-se que o juiz, para garantir a utilidade da sentença de condenação na prática do ato devido, pode admitir qualquer tipo de providência desde que seja adequada para atingir essa finalidade. Isto porque se entende que o elenco do art.º 112º/2 do CPTA não é taxativo: fala-se então num princípio de universalidade das providências admitidas(6). Maximiano poderia pedir, em sede de processo cautelar, a antecipação dos efeitos da sentença de condenação, o que é compatível com o carácter incerto da existência do direito à aposentação (e portanto, da verificação das condições de que ele depende), tendo em conta o carácter provisório da providência.

Ao que acresce que, por estar em causa a hipótese de verificação de um facto consumado na pendência do processo (a morte de Maximiano), o juiz pode, justificado pelo reconhecimento da existência de uma situação de especial urgência, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que se julgue mais adequada, sem mais considerações, no prazo de 24 horas(7).

Pese embora a pertinência de todos estes argumentos, há que atentar na razão de ser da figura da providência cautelar, que como antecipação provisória de uma decisão judicial, se caracteriza por uma instrumentalidade face à ação principal: a providência só faz sentido se houver um processo principal, caso contrário há inclusive causa de caducidade.

No caso em apreço, a condenação da administração no cumprimento do dever de decidir, tinha como efeito a regulação definitiva da situação. A providência consumiria os efeitos da ação principal. Razão pela qual, mesmo que tivesse havido efectivamente um incumprimento do dever de decisão, este meio não seria idóneo a tutelar a pretensão de Maximiano.

Precisamente por não ser possível o decretamento provisório de um providência cautelar (art.º 109º/1, in fine CPTA), poderia ser requerida uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Com fundamento na inutilidade da decisão de mérito da administração se esta for tomada seguindo o decurso normal do procedimento administrativo, isto é, atendendo ao prazo legal de decisão. E atendendo a que o direito à aposentação apresenta uma estreita ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana: não se pode exigir que, num Estado Social, um indivíduo que, apresente as mencionadas condições, tenha de trabalhar para prover pelo seu sustento, para garantir a sua sobrevivência. Seria indigno obrigar alguém a sacrificar a sua vida para ter a expectativa de vir a sobreviver. Além de que está também aqui em causa o próprio direito à vida.

Tratando-se de situação de especial urgência, consubstanciando a morte uma lesão irreversível de direito, liberdade e garantia, o juiz poderia, num prazo máximo de 48 horas, admitir a petição, sem que conceder à contraparte o prazo de sete dias para contestar (art.º 110º/3 CPTA).

Por último, na sequência do que foi referido relativamente à natureza não vinculativa do parecer, por não estarmos perante um ato estritamente vinculado, o tribunal não pode emitir sentença que produza os efeitos do ato devido (art.º 109º/3 CPTA).



(1) Para efeitos da presente discussão vamos supor que o autor está inscrito na CGA, já que o direito de aposentação depende da qualidade de subscritor (art.º 35º Estatuto).
(2) Idem.
(3) Não se pode entender o parecer como sendo um ato administrativo, na medida em que, embora sendo essencial para que a entidade competente para a decisão final tenha como verificada a condição de que depende o deferimento da pretensão, não é vinculativo. Pelo que não lhe cabe a ele a conformação da situação jurídica do particular.
(4) Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral tomo III, 2ª edição, p. 445).
(5) A apresentação de requerimento a órgão incompetente não é causa impeditiva para que a administração seja constituída no dever de decidir. Em nome de um princípio favor actione, o órgão incompetente tem o dever de suprir a deficiência da pretensão, enviando o documento por si recebido ao órgão titular da competência (art.º 41º/1 e 109º/2 CPA). Neste sentido, vide Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2015, 2ª edição, pp. 106 e ss..
(6) Vieira de Andrade, Justiça Administrativa (Lições), pp. 308 e ss..
(7) Segundo Vieira de Andrade, por força do princípio da tutela judicial efectiva, o juiz pode decretar provisoriamente a providência cautelar sem necessidade de requerimento do interessado nesse sentido, pelo menos quando esteja em causa a lesão iminente é irreversível de direitos, liberdades e garantias. Idem.

Fundamentos e alcance do artigo 128º do CPTA.

 O mecanismo previsto no art. 128º do CPTA implica que, recebido o duplicado do requerimento de providência com vista a suspender a eficácia de um ato (art. 112, nº2, al. a) CPTA), toda e qualquer entidade administrativa tem a obrigação de imediata e automaticamente parar a execução desse ato.
 Este mecanismo demarca-se, nomeadamente, do art. 131º do mesmo código (que representa também um mecanismo especial cautelar), pelo seu automatismo, mas também pelos casos que permite albergar na sua previsão, já que a previsão do art. 131º é muito mais restrita que a do referido art. 128º.
 Apesar das especificidades, e até de haver quem, como AROSO DE ALMEIDA[1], discuta a qualificação do regime do art. 128º, em si mesmo, como incidente do processo cautelar, a verdade é que ele visa proporcionar uma tutela provisória. A única diferença para os processos cautelares “normais” será a da automaticidade, não havendo qualquer intervenção ou ponderação do juiz acerca dos requisitos normais das providências cautelares, como o é o periculum in mora.
 A proibição do art. 128º, de execução do ato administrativo, só vale até ser proferida decisão, no processo cautelar, que não dê provimento ao pedido de suspensão da eficácia. Encontra-se então aqui uma ideia de provisoriedade, e de instrumentalidade, em relação a uma decisão posterior, típicas do procedimento cautelar, em todos os tipos de processo, não só administrativo. Reforça-se aqui o caráter cautelar deste dispositivo.
 Havendo suspensão da eficácia automaticamente, os atos só podem voltar a ser praticados depois de resolução fundamentada por parte da Administração. Este é um pressuposto prévio da prática de tais atos, “uma vez que só com a emissão fundamentada pode a Administração levantar a proibição legal de executar o ato” [2]. Esta garantia extraordinária dos particulares, que permite nem sequer haver uma mínima apreciação judicial como sucede com um processo cautelar normal, leva a que a resolução fundamentada não possa funcionar como fundamentação a posteriori dos atos de execução. Enquanto ela não existir, os atos ficam automaticamente suspensos no âmbito da regra do art. 128º, nº1 CPTA, paralisação que só cessa quando a administração, no prazo de 15 dias, reconhecer, mediante resolução fundamentada, que a paralisação da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, podendo o tribunal julgar improcedentes as razões em que esta se fundamenta (art. 128º, nº3).
 Resta agora analisar o significado e alcance desta expressão da “resolução fundamentada”.
 A resolução fundamentada, prerrogativa dada à Administração para impedir a proibição de execução do ato administrativo por mero uso do mecanismo previsto no art. 128º, nº1 pelo interessado, não consiste num ato administrativo[3], constituindo antes uma “pronúncia administrativa desenvolvida no âmbito e sob a égide estrita dum processo judicial cuja legalidade cumpre ser exclusivamente sindicada através do competente incidente previsto no art. 128º, nºs 4 a 6 do CPTA”. AROSO DE ALMEIDA diz-nos que a resolução fundamentada não constitui um ato administrativo impugnável. O autor diz que não parece estar na disponibilidade da Administração, não sendo por isso um ato administrativo, sendo antes “matéria que gravita na órbita do processo cautelar, em ordem a assegurar a sua efetividade, e, por isso, é que é ao juiz cautelar a quem, em última análise, cabe a palavra decisiva”[4], isto é, cabe analisar a validade da própria resolução fundamentada, em sede posterior. E esta análise, que será feita judicialmente, é diferente da apreciação judicial da providência cautelar de suspensão de ato administrativo, até porque os efeitos da decisão acerca da providencia cautelar só valem para futuro, enquanto que os efeitos da declaração de ineficácia dos atos de execução do ato ou atos ao abrigo do art. 128º retroagem.
 Por um lado, pela facilidade que a Administração tem de impedir que o ato cesse a sua execução, como, por outro, pelo facto de a resolução fundamentada que a mesma emite não consistir num ato administrativo impugnável, parece, à primeira vista haver uma larga margem de discricionariedade da Administração, aproximando-se de uma certa arbitrariedade.
 Esta discricionariedade da Administração está muito ligada com a interpretação que a mesma faça aquando do proferimento da resolução fundamentada, baseada em “interesse público”, interpretação que não passa pela apreciação de um juiz. À primeira vista a discricionariedade conferida aqui à Administração pode considerar-se de uma arbitrariedade excessiva, como podemos encontrar referido em FREITAS DO AMARAL[5], qualificando-a como “uma nova modalidade do privilégio da execução prévia, gravosa para os particulares e desprestigiante para os tribunais”.
 Estes atos de declaração de interesse público concedidos à Administração não são suscetíveis de controlo jurisdicional, resultando de uma remissão do legislador para que a Administração, apreciando as circunstâncias concretas do caso, adote a solução mais adequada para proteger o tal interesse público.[6]
 Este prejuízo para o interesse público é aferido desde logo pela Administração, e não pelo juiz, isto é, por uma das partes do processo, de forma unilateral. Esta questão poderia suscitar alguns problemas em termos de tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrada. No entanto, há uma vantagem neste poder unilateral, na medida em que a Administração saberá, em princípio, melhor ponderar entre o interesse público subjacente à prática do ato administrativo e os interesses dos particulares. Porque o “interesse público” que aqui será relevante é aquele que esteja compreendido dentro do princípio da legalidade, no sentido positivo. A relação dos atos administrativos com a lei é uma questão de conformidade, e não de compatibilidade. A Administração, só podendo fazer aquilo que a lei permita, porque não prossegue fins privados, prosseguindo sempre, em teoria, o interesse público em sentido funcional, conformado pela lei habilitante, emitirá sempre, em princípio, atos em conformidade com esse interesse.
 Sob a ótica do interessado, poderia colocar-se um problema de inconstitucionalidade, na medida em que um particular poderia, sem qualquer apreciação judicial, conseguir a suspensão da eficácia de um ato administrativo, podendo causar graves e irreparáveis prejuízos não só ao interesse público como eventualmente projetado pela Administração numa resolução fundamentada, mas também a outros particulares, como será o exemplo do embargo de uma obra.
 Jurisprudencialmente tem havido uma prática no sentido de obstar à arbitrariedade da Administração, interpretando-se as razões de “interesse público” que podem fundamentar as resoluções da Administração segundo critérios exigentes, já que, como refere AROSO DE ALMEIDA “toda a suspensão da eficácia de atos administrativos prejudica a prossecução do interesse público que eles visam prosseguir”.
 Os critérios e requisitos que o tribunal tem de ter em conta no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos atos de execução praticados ao abrigo da “resolução fundamentada” não são, como refere a jurisprudência, os enunciados no art. 120º CPTA. O que deve verificar o tribunal é se a resolução que impediu a paralisação da execução do ato ou atos foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada “no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”.[7] A urgência na prossecução do interesse público, isto é, a indispensabilidade para dar resposta a situações de especial urgência, têm de ser respeitadas antes do proferimento de uma resolução fundamentada, ao abrigo do nº1 do art. 128º.
 A motivação dada em sede de resolução fundamentada, alicerçada em grave “prejuízo para o interesse público”, tem de ser, segundo o acórdão do TCAN de 4 de outubro de 2007, “sucinta, clara, concreta, congruente e contextual”, não podendo haver justificações genéricas ou vagas, que não permitam ao próprio tribunal, depois, em sede de apreciação da necessidade da continuação da execução do ato administrativo, inteirar-se das razões que levaram à emissão da resolução fundamentada, e aos próprios interessados que utilizaram o mecanismo do art. 128º e cujas pretensões não procederam devido a uma resolução fundamentada.
 Tem de haver uma necessidade imperiosa de prosseguir com a execução do ato administrativo que se suspende “a ponto de não ser possível, sob pena de grave prejuízo para o interesse público, esperar pela decisão judicial cautelar”. Prevendo a lei este automatismo da proibição de executar o ato administrativo, não se compreenderia que a fundamentação da Administração que pudesse impedir que esta proibição automática acontecesse não fosse baseada em critérios de absoluta necessidade e urgência. A Administração tem de indicar concretamente os valores que pretende salvaguardar e os factos derivados a proibição de execução do ato suscetíveis de comprometer esses mesmos valores, tendo de existir uma densificação suficiente do prejuízo para o interesse público[8]. A Administração tem de estar vinculada a princípio jurídicos fundamentais, com muita relevância para a proporcionalidade.



[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo. Almedina, 2010. P. 459

[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 09-10-2014. Proc: 11302/14.

[3] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 14-02-2008. Proc: 01205/07

[4] Mário Aroso de Almeida, p. 462

[5] Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1989, P. 322.

[6] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14

[7] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 25-10-2007. Proc: 02942/07

[8] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas. Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1989.
ALMEIDA, Mário Aroso. Manual de Processo Administrativo. Almedina, 2010.


FILIPA CAIO BAETA, Nº24021, Subturma 8. 4ºAno/Dia
2016/17