Uma pessoa
coletiva é uma entidade destinada à prossecução de certos fins comuns e à qual
o Direito atribui a qualidade de pessoa jurídica, ou seja, a capacidade de
terem direitos e obrigações.
Podem assumir diversas formas, dividindo‑se em pessoas
coletivas de Direito privado e de Direito público. Distinguem‑se ainda
consoante o respetivo fim (se de interesse público ou particular), o regime
aplicável (direito administrativo ou direito privado), a sua criação (pelo
poder público ou por privados). A melhor forma de determinar o carácter público
ou privado de uma pessoa coletiva é verificar a verificação de vários desses
critérios simultaneamente.
Sérvulo Correia aponta que a distinção, a
ser operada, nunca deveria tomar como base a titularidade de uma capacidade de
direito público ou de direito privado dado que, por um lado, todas as pessoas
coletivas têm capacidade de direito privado e, por outro lado, é comum que
pessoas de direito privado detenham capacidade de direito público.
Em matéria de legitimidade passiva, o regime regra
consta do art. 10º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos
(doravante CPTA), determinando que a mesma corresponde à contraparte na relação
material controvertida tal como esta é configurada pelo autor. Deve o autor,
portanto, demandar em juízo quem estiver colocado em posição contraposta à sua,
no âmbito da relação material controvertida.
Em termos históricos, os processos de anulação de atos
administrativos nasceram, no contencioso administrativo francês, como processos
sem partes, em que a Administração figurava como “autoridade recorrida” e não
enquanto entidade demandada, sendo este um dos “velhos traumas” apontados pelo
Professor Vasco Pereira da Silva[1] em que se confundia administrar
com julgar, estando a Administração em posição correspondente ao juiz a
quo quando alguém interpusesse recurso para uma instância superior da
decisão que ele proferiu[2].
Para suprir este trauma, o art. 10º nº 2 do CPTA
identifica claramente a Administração enquanto parte, ao dispor que nas ações
relativas a atos ou omissões administrativas “a parte demandada é a pessoa
coletiva de Direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos
seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de
praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
Suplanta-se o trauma através do princípio da igualdade
das partes, mas o legislador peca ao optar pela inserção do conceito de “pessoa
coletiva pública” que tem sido objeto de controvérsia.
Urge atender às alterações relevantes da Administração
Pública no moderno Estado Pós-Social, transformações essas que conduziram a uma
complexidade da organização administrativa de modo a que, não possamos hoje em
dia, apontar apenas um único sujeito de imputação de condutas administrativas,
o que torna censurável a opção do legislador pelo conceito de pessoa coletiva
pública.
Estas transformações evidenciam a inclinação para a
autonomização das autoridades administrativas, tendência acompanhada também pelo
ordenamento jurídico porque se parte do entendimento de que estas são sujeitos
de Direito, passíveis da titularidade de posições jurídicas ativas e também passivas,
propensão também verificada nas normas constitucionais, as quais se referem
tanto a pessoas coletivas, como a órgãos administrativos (arts.266º e seguintes
da Constituição da República Portuguesa), e nos arts. 13º e seguintes do Código
de Procedimento Administrativo, que se ocupam dos órgãos públicos, atribuindo-lhes
importantes poderes de atuação nas relações administrativas.
É fundamental agora entender qual o objetivo da introdução
deste conceito no art. 10º, nº 2 do CPTA. Esta inovação pretendia alcançar dois
objetivos fundamentais: o primeiro, facilitar a determinação, pelo autor, da
entidade com legitimidade passiva; e segundo, permitir a cumulação de pedidos
que sigam diferentes formas de processo.
Relativamente ao primeiro, não parece clara a
aplicação desta regra, na medida em que, pode tornar-se labiríntico identificar
a entidade demandada. Contemplemos um exemplo: o caso de atos ou omissões
imputáveis a órgãos ad hoc (júris de concursos) ou de
estruturas constituídas para a prossecução de missões temporárias (equipas de
missão)[3].
É, no entanto, importante referir que, para efeitos de
aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e de efetivação de
responsabilidade disciplinar e criminal, terá de se desconsiderar a
personalidade jurídica pública, uma vez que estas sanções afetam diretamente os
titulares dos órgãos incumbidos da execução da sentença (arts.159º nº 1 b) e
169º nº1 do CPTA).
Apesar das críticas apontadas à preferência pela
pessoa coletiva pública, não se poderá deixar de reconhecer que a solução
legislativa adotada é suficientemente “aberta” para permitir resolver os
problemas mencionados. O facto de o nº 4 do art. 10º do CPTA considerar como
“regularmente proposta a ação quando, na petição inicial, tenha sido indicado
como parte demandada o órgão que praticou o ato impugnado ou, perante o qual,
tinha sido formulada a pretensão do interessado”, demonstra a “porta aberta”
que se criou para a intervenção processual das autoridades administrativas e não
apenas para as pessoas coletivas.
Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva[4] devemos analisar este artigo no
sentido da consagração da regra alemã, segundo a qual deve estar em juízo a
autoridade administrativa responsável pelo comportamento litigado.
Concluindo, esta reforma veio consagrar uma solução de
preferência pela pessoa coletiva como sujeito processual; porém, veio fazê-lo
através de uma feição aberta, por meio de normas que, na prática, permitem a
intervenção processual das autoridades responsáveis pelos comportamentos
administrativos em litígio, ainda que, consideremos que o fazem em “representação”
da pessoa coletiva, sendo portanto a pessoa coletiva pública, uma forma de
embelezamento do contencioso administrativo.
[1] VASCO PEREIRA DA SILVA, “O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2008, p. 273.
[2] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “O novo
regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, p.47.
[3] VASCO PEREIRA DA SILVA, “O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2008, pp. 274 ss.
[4] VASCO PEREIRA DA SILVA, “O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2008, p.281.
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