terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Cíntia Mantinha - A legitimidade Passiva no Contencioso Administrativo e Fiscal Português


A Legitimidade Passiva no Contencioso Administrativo e Fiscal Português:



No que respeita aos sujeitos, o legislador quis tornar inequívoco, desde o ínicio, que os processos do contencioso administrativo são de partes. E porquê esta decisão do legislador? Para poder abandonar completamente a lógica clássica proveniente do modelo francês, na qual o contencioso administrativo era de tipo objectivo, destinado à mera verificação da legalidade de uma situação administrativa, em que o Conselho de Estado não reconhecia o direito subjectivo das partes, masque estabelecia o direito objectivo que se impunha à Administração, criando assim um processo que gravitava em torno do acto administrativo, em que o acto administrativo era um todo e também todas as partes. Assim, e anteriormente à reforma ocorrida em 2002/2004, os particulares estavam numa posição similar à do Ministério Público, agindo na defesa da legalidade e do interesse público colaborando com o Tribunal apenas, não pudendo os particulares actuar para defesa de direitos ou interesses próprios, já quanto à Administração, era vista como um “meio de auxílio” do tribunal na defesa da legalidade.

Depois da tentativa fracassada de 1984/1985 que pretendia alterar a tradição vinda de uma “infância difícil “ como fora a do contencioso Administrativo, eis que em 2002/2004, com a nova reforma Administrativa, o Contencioso Administrativo português distanciou-se da matriz inicial francesa para se aproximar do modelo alemão, um modelo subjectivista e que se opõe ao modelo francês, por natureza objectivista. Como tal, actualmente, modelo português do Contencioso Administrativo, ou seja, contêm elementos subjectivistas, como é o caso dos artigos 9. º, n º 1 e n º 2 e 10. º, n º 1 e n º 2 do CPTA, e elementos objectivistas, como é o caso das alíneas c) e e) do número 1 do artigo 55. º do CPTA relativo à legitimidade activa nas acções de impugnação dos actos administrativos. Assim, os particulares passaram a ter mais direitos e situações mais favoráveis aos seus direitos e à defesa dos mesmos nos Tribunais Administrativos. No novo contencioso administrativo os particulares são parte legítima e activa com direitos e interesses que originam uma relação material e controvertida que é levada a juízo, assim, a lógica do Contencioso Administrativo Português já não é tanto objectivista, mas sim subjectivista, visto que se reconhece a existência de partes processuais no Contencioso Administrativo, com direitos subjectivos e interesses, existindo assim uma igualdade entre as partes para defesa dos seus interesses particulares.

Agora, o Código consagra expressamente tanto a regra de que particulares e administração são partes no processo administrativo, como também consagra o príncipio da igualdade efectiva da sua participação processual, afastando assim, de forma definitiva os últimos rasgos do modelo objectivista do antigo Contencioso Administrativo, sendo que o legislador explicita mesmo, face ao princípio de igualdade, que o mesmo se refere não só às possibilidades de intervenção no processo, como à própria possibilidade de qualquer dos sujeitos processuais vir a ser sancionado pelo tribunal, designadamente por litigância de má fé, responsabilizando assim as partes, algo que apesar da reforma de 1984/ 85 não era admitido pela jurisprudência e pela doutrina dominante relativamente às autoridades públicas, pensamento ultrapassado pelo princípio de igualdade e afastado pelo mesmo pela imposição pelo legislador destas medidas sancionatórias e pela imposição do princípio de igualdade no novo Contencioso Administrativo.

No artigo 9.º, n º1 do CPTA temos o critério geral da legitimidade activa, sendo que, paralelamente, no artigo 10.º, n º 1 do CPTA temos o critério geral da legitimidade passiva nos litígios de Contencioso Administrativo e Fiscal. Com base no artigo 10.º, n º1 do CPTA “Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”. Daqui retiramos o critério da relação material controvertida do artigo 10º do CPTA, consideram-se como parte “as entidades públicas, mas também os indivíduos ou as pessoas colectivas privadas sujeitos às obrigações e deveres simétricos dos direitos subjectivos alegados pelo autor “. Já quanto ao critério da relação material controvertida do artigo 9º quanto à legitimidade activa, sendo que, em termos gerais, segundo o artigo 9.º, n º1 do CPTA, basta alegar-se ser parte na relação material controvertida para se ser considerado parte legítima activa, ou seja, autor. Em ambos os artigos encontramos o critério da relação material controvertida, no qual haverá legitimidade sempre que o sujeito alegue ser parte numa qualquer relação administrativa material controvertida, o mesmo para os sujeitos contra quais seja intentada acção contra, segundo o artigo 10.º, nº1 do CPTA. Deste artigo surgem assim os contra-interessados, que são os que têm interesses opostos ao autor, sendo aqueles que têm um interesse directo e pessoal em que não se dê provimento à acção, ou que seja decidida a acção a contrario dos interesses do autor. Assim, os “contra-interessados”, e segundo o artigo 10.º, nº1 do CPTA, nas acções de impugnação dos actos administrativos, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo, segundo o artigo 57º CPTA, dando a entender que os “contra-interessados “serão, pois, tido como terceiros.  Não fazendo o Professor Vasco Pereira da Silva a mesma leitura do artigo 57º CPTA, visto que considera que a definição do artigo 57. º CPTA tem como consequência considerar esses “contra-interessados” como “sujeitos principais na relação jurídica multilateral, enquanto titulares de posições jurídicas de vantagem conexas com as da Administração não sendo terceiros, mas sim partes processuais.

Quanto ao artigo 10.º, nº2 CPTA este trata das acções que tenham por objecto a acção ou a omissão de uma entidade pública: regra geral, a parte demandada será a pessoa colectiva de direito público e não o órgão, desaparecendo, assim, a ideia de que a Administração era uma autoridade recorrida à excepção de quando a acção diz respeito ao Estado, visto que neste caso, a parte demandada se trata do ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, como decorre da segunda parte do referido preceito.

O Professor Vasco Pereira da Silva critica a opção do legislador presente na primeira parte deste preceito, tendo como argumentos a complexidade da organização administrativa e da natureza multifacetada das modernas relações administrativas multilaterais. Quanto a este argumento o Professor refere o grande número e a grande diversidade dos entes e dos orgãos que têm competências no âmbito da função administrativa, bem como o envolvimento de diferentes particulares e autoridades administrativas, situadas em pólos e orgãos diferenciados dessa mesma ligação, assim como o desconcentramento da actividade administrativa dentro da função administrativa, devido ao grande aumento de competências decisórias autónomas por parte dos órgãos e dos funcionários da administração pública no âmbito da função administrativa e no âmbito dos órgãos que se inserem. O princípio da legalidade disposto nos artigos 266.º, nº 2 da CRP e artigo 3.º do CPA também serve de argumento para o Professor Vasco Pereira da Silva, devido às limitações que este impõe à administração pública, nomeadamente pelo facto de que que os órgãos e os agentes da Administração Pública apenas possam fazer aquilo que a lei permite, ou seja, podem actuar no exercício das suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos e definidos. O professor invoca também como argumento o facto de a teoria das “relações especiais de poder” ter sido abandonada, ou seja, os órgãos praticam actos no exercício das funções que o Direito Administrativo lhes atribui. A questão é que, sendo os órgãos quem actua no quadro do Direito Administrativo, lesando eventualmente direitos de particulares, devem ser os órgãos os sujeitos processuais e não as pessoas colectivas públicas, sendo que será aqui que entra a fiscalização pelo princípio de legalidade, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva.



Cíntia Mantinha

Nº 23362

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