Decorre um ano desde que foram efetuadas alterações substanciais ao processo administrativo. O Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro de 2015, trouxe uma revisão necessária do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). O diploma procedeu também a uma harmonização da legislação em consonância com as alterações ao CPTA, efetuando mudanças pontuais a diversos diplomas avulsos que disciplinam a matéria processual administrativa ou conexos com a mesma, nomeadamente, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o Código dos Contratos Públicos (CCP), o Regime Jurídico da Tutela Administrativa (RJTA), o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), a Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular (LPPAP) e, finalmente, a Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente (LAIA).
Esta revisão do CPTA veio complementar a recente reforma do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ocorrida em janeiro de 2015 e, por outro lado, harmonizar o CPTA com a reforma de fundo de que foi objeto o Código de Processo Civil (CPC) em 2013.
Entre as alterações significativas impostas pela entrada em vigor deste diploma, no término de 2015, destacam-se:
- As alterações estruturais em relação ao modelo herdado de 2002-2004, traduzindo-se na eliminação da bipartição entre ação administrativa comum e administrativa especial, inserindo todos os processos não urgentes num só tipo de ação – a ação administrativa. Assim, desde então existe apenas distinção entre processos não urgentes e processos urgentes. Os processos urgentes serão, potencialmente, os relacionados com (I) contencioso eleitoral, (II) procedimento de massa, (III) contencioso pré-contratual, (IV) intimação para a prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões, (V) intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias e (VI) providências cautelares. Pelo contrário, serão considerados processos incluídos na ação administrativa, os relacionados com (I) impugnação de atos administrativos, (II) condenação à prática de atos administrativos devidos, (III) condenação à não emissão de atos administrativos, (IV) impugnação de normas, (V) condenação à emissão de normas devidas, (VI) reconhecimento de situações jurídicas subjetivas, (VII) reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições, (VIII) condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, (IX) condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime, (X) condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar, (XI) responsabilidade civil da Administração, (XII) interpretação, validade ou execução de contratos, (XIII) a restituição do enriquecimento sem causa e (XIV) relações jurídicas entre entidades administrativas. Pôs-se então fim à dualidade de tramitações, assente na previsão de um modelo específico para as ações sobre atos e regulamentos (ação administrativa especial) e na remissão para a lei processual civil quanto a todas as demais ações (ação administrativa comum).
- A agilização do novo regime do contencioso de impugnação de normas: simplificação e clarificação, nomeadamente no que respeita às situações de dedução do incidente da invalidade de normas regulamentares, em processos cujo objeto principal não lhes diz respeito. Importa referir também a articulação do processo impugnatório com as causas e efeitos de anulação e revogação previstos no CPA (artigos 64.º e 65.º).
- A consagração de um modelo unitário de tramitação dos processos não urgentes: existência de um único modelo de tramitação para todos os processos não urgentes do contencioso administrativo, correspondendo ao da anterior ação administrativa especial, com algumas alterações, à qual foi dada a designação de «ação administrativa» (tendo sido eliminada a anterior ação administrativa comum). Demonstra-se aqui uma certa rutura com as linhas de pensamento mais recentes do contencioso administrativo português, no entanto creio que se deve salientar esta medida visto que permitiu existir uma maior simplificação do processos não urgentes.
- As alterações ao contencioso pré-contratual urgente: foi alargado o âmbito aplicativo do contencioso pré-contratual urgente, de modo a abranger neste, o contencioso relativo à formação de todos os tipos contratuais compreendidos pelo âmbito aplicativo das diretivas da União Europeia em matéria de contratação pública. Refira-se que com o propósito de proceder à transposição das Diretivas Recursos, deu-se a consagração da previsão do efeito suspensivo automático da impugnação dos atos de adjudicação e introduzindo-se também um novo regime de adoção de medidas provisórias. Um dos principais efeitos destas alterações é a suspensão automática dos efeitos dos atos pré-contratuais impugnados e do contrato, se já celebrado, ainda que com possibilidade de afastamento por decisão do juiz quando a entidade demandada ou os contrainteressados invoquem grave prejuízo para o interesse público ou desproporção face aos demais interesses envolvidos (artigo 103.º-A CPTA). Importante ainda salientar a possibilidade de adoção de medidas provisórias em processos que não tenham por objeto atos de adjudicação (artigo 103.º-B do mesmo diploma).
- A criação de um novo processo urgente para os procedimentos de massa: foi incluída uma nova forma de processo urgente dirigida aos procedimentos de massa (com mais de 50 participantes), nos domínios de concurso de pessoal, procedimentos de realização de provas e, ainda, nos procedimentos de recrutamento. A existência deste mecanismo de concentração num só processo, que corra num só tribunal, de vários processos com pretensões idênticas que os participantes pretendam deduzir, nomeadamente no que respeita ao contencioso contratual, veio dar resposta à exigência de celeridade de litígios relacionados com procedimentos administrativos que envolvam um elevado número de participantes. O CPTA não só consagrou esta nova forma de processo urgente, como também manteve os clássicos processos urgentes correspondentes ao contencioso dos atos administrativos em matéria eleitoral, assim como o relativo à formação dos contratos.
- A simplificação dos processos cautelares: o juiz, em matéria de produção de prova, possui novos e ampliados poderes de modo a agilizar o processo. Passou a existir um único critério de decisão de providências cautelares (as quais poderão ser adotadas quando se demonstre a existência de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado - ou da produção de prejuízos de difícil reparação - e seja provável que a pretensão no processo principal venha a ser julgada procedente).
- A promoção de uma publicidade alargada do processo administrativo: Não só os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e dos Tribunais Centrais Administrativos (TCAs) passaram a ser objeto de publicação obrigatória por via eletrónica, em base de dados de jurisprudência, mas também os dos tribunais administrativos de círculo (TACs) que tenham transitado em julgado. Anteriormente a publicação informática não se revestia de caráter obrigatório e tão pouco abrangia os acórdãos dos TACs.
Bibliografia:
- SILVA, Vasco Pereira da - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Ações no Novo Processo Administrativo, Almedina, 2013 (Reimpressão da 2.ª Edição de 2009);
- GOMES, Carla Amado; NEVES, Ana Fernanda; SERRÃO, Tiago (Coord.) - O Anteprojeto de Revisão do Código nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, AAFDL, Lisboa, 2014;
- BATALHÃO, José Carlos - Novo Código de Procedimento Administrativo: Notas Práticas e Jurisprudência, PORTO EDITORA, 2015.
André Reis Julião
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