A Legitimidade popular na impugnação de normas mediatamente operativas no domínio ambiental
O actual CPTA acabou com a diferença de tratamento
entre as partes com legitimidade activa para impugnar normas no âmbito do
contencioso administrativo. Assim, olhando para o artigo 73º/1 do CPTA vemos
que tanto o autor particular como o autor público e ainda o autor popular,
podem pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral nas mesmas
condições. Assim, o CPTA encara agora este meio numa perspetiva objectivista.
No entanto, subsiste a dualidade de pedidos ,
delimitados agora pelo critério da norma imediatamente operativa. Com efeito,
se a norma não carecer de execução, tem efeitos imediatos na esfera dos
particulares, pelo que o meio processual adequado é o pedido de declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral, prevista no artigo 73º/1 do CPTA.
Pelo contrário, se a norma carece de um acto
concreto de aplicação para ter efeitos na esfera dos particulares, o meio
adequado é a impugnação desse mesmo acto administrativo a titulo principal, com
fundamento na ilegalidade da norma que é impugnada a título incidental. Este
meio está previsto no artigo 73º/3. Também neste Âmbito se confere legitimidade
activa ao autor público e popular, ao lado do autor popular.
Poderíamos assim concluir que, quanto à impugnação
de normas, a revisão do CPTA veio assegurar a protecção plena dos titulares de
direitos e interesses legalmente protegidos quanto ao caso concreto.
Contudo, cabe indagar se todas as hipóteses foram
abrangidas por esta revisão, ou se falta algo em termos de protecção
jurisdicional.
Não se justificará, haver no âmbito ambiental, uma acção
popular sem limites, permitindo-se impugnar directamente a norma mediatamente
operativa? De outra forma, o particular está limitado a impugnar o acto de
aplicação, nos termos do artigo 73º/3, atacando a norma apenas de forma
incidental. No domínio ambiental, este regime é particularmente nocivo, uma vez
que os actos lesivos do ambiente são muitas vezes irreversíveis.
O bem ambiente tem uma natureza simultaneamente
pública e colectiva, como resulta dos artigos 52º/3 e 66º/2 da CRP, sendo que
não há individualidade dos interesses aqui defendidos, ou seja o interesse
ambiental não pode ser defendido através da legitimidade singular tradicional..
Assim, visto que a protecção do ambiente se traduz num
interesse difuso de preservação de um bem de fruição colectiva, este presta-se
a ser defendido, actualmente, através de instrumentos de alargamento da legitimidade
processual activa. É este alargamento que vemos no artigo 73º/3 do CPTA.
Nestes casos, o objecto da acção tem uma natureza de
interesse público, sendo que o que se pretende é a defesa de um interesse
supraindividual. Não tratamos aqui de direitos subjectivos, mas sim de
interesses de facto na fruição das qualidades de um bem ameaçado pela actuação
de um particular ou de um ente público. Assim, e como consagrado no artigo 9º/2
do CPTA, o interesse ambiental pode ser
defendido através de acção popular.
O Direito do Ambiente estabelece os modelos de
aproveitamento dos bens ambientais naturais, visa prevenir lesões graves,
regula as formas de reparação de danos, reprime os infractores e incentiva
todos os cidadãos e empresas a adoptar condutas ambientalmente amigas. É
Direito público, sendo que íncide como vimos sobre bens públicos e colectivos.
O artigo 66º/1 da CRP é muitas vezes entendido como
um “Direito ao Ambiente “, como se fosse um direito de personalidade. Devemos
destacar a segunda parte da norma que aponta também, para um dever de protecção
do ambiente. É no artigo 52º/3/a) da CRP
que se afirma a legitimidade alargada dos sujeitos para prevenir, fazer cessar
e obter a reparação contra ofensas à integridade dos bens ambientais.
Com efeito o Direito do Ambiente é norteado por uma
máxima de prevenção, como vemos no artigo 66º/2/a CRP, sendo que é esta máxima
que determina que a maioria das intervenções susceptíveis de causar impactos
relevantes no meio natural, sejam previamente autorizadas. Estes actos
autorizativos são muitas vezes actos de execução de normas regulamentares,
nomeadamente planos especiais de ordenamento do território, um dos instrumentos
preventivos do direito do ambiente. No entanto, podem ser autorizados ou
praticados actos de execução de normas que, não se inserindo no âmbito de
planos especiais de ordenamento do território ou de outras normas preventivas
ambientais, acabam por ter ainda assim efeitos lesivos de bens ambientais.
É atendendo a essa circunstância que indagamos se,
cabendo ao Estado uma tarefa de protecção do ambiente, consagrada nos artigos
9º/d) e e) da CRP, e vigorando uma escassez ou inexistência de meios de tutela
contenciosa ambiental específicos, não deveria o artigo 73º possibilitar a
impugnação directa de normas mediatamente operativas, com fundamento no
princípio de precaução que norteia o Direito Ambiental.
O Direito do Ambiente é marcado, como vimos, por um
princípio da precaução. Este tem na sua base a ideia de que é imprescindível
gerir os riscos ambientais, devendo adoptar-se uma atitude de antecipação
preventiva que se vai revelar a longo prazo menos onerosa para a sociedade e o
ambiente.
Atendendo ao artigo 66º da CRP e às considerações
anteriores vemos que o imperativo de protecção do ambiente investe cada
indivíduo numa dupla qualidade de credor e devedor, sendo que o interesse na
preservação e promoção da qualidade dos bens ambientais pressupõe uma certa
concepção de vida em comunidade.
Ora o acesso à justiça ambiental, alargado nos
termos da legitimidade popular a qualquer cidadão é uma decorrência lógica do
direito de participação no procedimento autorizativo. Tem-se aqui em vista a
prevenção de riscos, a reparação de danos e a repressão de condutas violadoras
da legalidade ambiental.
Aquilo que os cidadãos podem exigir traduz-se na
possibilidade de aceder a informações relativas a questões ambientais, de
participar em procedimentos autorizativos ambientais e de propor acções
judiciais com vista à salvaguarda da integridade dos bens naturais.
O princípio da precaução reduz o grau de prova
exigível para que uma determinada actuação possa apresentar-se como necessária
e legitima, e assim habilita a adopção de medidas sempre que, apesar da
inexistência de provas científicas conclusivas, se suspeite que uma determinada
actividade ou técnica envolva um risco de produção de danos ambientais, embora
se desconheça a sua probabilidade de ocorrência e/ou magnitude.
Consideramos assim, que este princípio deve também
tutelar a impugnação de normas mediatamente operativas, com fundamento nesta
máxima de prevenção fundamental na protecção dos bens ambientais, cuja
importância actualmente tem sido cada vez mais salientada, e que por isso, a
revisão do CPTA acabou por não abranger todos os domínios carecidos de protecção
jurisdicional.
Bibliografia :
ALMEIDA, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007
AMADO GOMES, Carla, Acção pública e Acção popular na defesa do ambiente, in Estudos em Homenagem ao ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, Almedina, 2010
AMADO GOMES, Carla, Direito Administrativo do Ambiente in Tratado de Direito Administrativo Especial, Almedina, 2009
GOUVEIA MARTINS, Ana, O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente, AAFDL, 2002
Bárbara Machado, subturma 8, nº 24052
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