No que respeita à estrutura
organizatória dos tribunais do Estado, este é composto quer por tribunais
administrativos (os quais se encontram previstos no artigo 209/1/CRP), quer por
tribunais arbitrais (os quais se encontram previstos no artigo 209/2/CRP),
podendo, portanto, o processo administrativo ser desenvolvido perante qualquer
um destes dois tribunais. Não está previsto, em consequência, uma reserva
jurisdicional estadual sobre litígios que envolvam a administração. A
arbitragem administrativa significa, assim, a arbitragem sobre dirimir litígios
de natureza administrativa, os quais podem dizer respeito, quer à constituição
em responsabilidade civil extracontratual por danos causados pela A.P, no
âmbito da sua actividade de gestão pública, quer à interpretação, validade e
execução de contratos. A arbitragem é, pois, um dos modos de regulação de
litígios, que pode ser definido como sendo um “negócio jurídico processual através
do qual as partes atribuem legitimidade para resolver conflitos a tribunais sem
natureza permanente, constituídos ad hoc”
O referido artigo 209/2/CRP consagra
a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais, afastando-se, claramente, dos
regimes jurídicos dos outros países, em que se limita a admitir a
admissibilidade do recurso à arbitragem como uma forma de resolução de
litígios.
Esta temática da arbitragem está prevista nos artigos 180
a 187 do CPTA, no Título VIII. O artigo 180/1/CPTA, enuncia, enquanto permissão
genérica (por categorias de matérias) para os particulares poderem recorrer à
arbitragem, no que respeita a matérias de Direito Administrativo, um conjunto
de matérias que podem ser regulamentadas por via da arbitragem. Este artigo,
por ser uma norma especial face à Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), alarga o
elenco de matérias que podem ser sujeitas a arbitragem.
Com o artigo 180/1/CPTA, passou-se a
possibilitar, em termos gerais, que, no que respeita aos litígios no âmbito da
fiscalização da legalidade de actos administrativos, estes podem ser submetidos
a arbitragem. Atendendo à primeira parte do preceito “sem prejuízo do
disposto em lei especial”, pode haver situações que o legislador sectorial
entenda dever ser tratada por parte dos tribunais administrativos dos Estados,
isto é, remeter para a reserva constitucional da jurisdição do Estado, por
estarem em causa interesses públicos relevantes ou, então, por respeitarem a
direitos indisponíveis dos particulares. É com esta consagração que se
consolidou a mudança de posição, daquilo que era o entendimento tradicional.
Ao analisarmos no artigo 180/1/a/CPTA,
verificamos que, hoje, esta alínea permite, em matéria de contratos, aferir da
validade dos mesmos, podendo proceder, se necessário for, à anulação ou à
declaração de nulidade dos actos administrativos que dêem execução ao contrato,
praticados pelo contraente público. Esta nova introdução, com a revisão de
2015, apresenta a clara vantagem, em termos de celeridade do processo e de
economia processual, de que, no mesmo processo, seja apreciada, ao mesmo tempo,
toda a relação material controvertida.
Com a revisão de 2015, o artigo
180/1/c/CPTA passou a prever a possibilidade de haver arbitragem no que
respeita à validade de actos administrativos, ou seja, dos tribunais arbitrais
poderem, a título principal, e não incidental, apreciar estas questões, o que, anteriormente,
era impensável.
Temos, no nosso ordenamento
jurídico, dois tipos de arbitragem: a arbitragem institucional, a qual se
caracteriza por ser uma arbitragem permanente, e que se encontra prevista no
artigo 187/CPTA; a arbitragem não institucional, a qual se caracteriza por ser
uma arbitragem não permanente, que só funciona quando os particulares, de modo
voluntário, se dirigem aos tribunais arbitrais, pois aí querem ver dirimidos os
seus conflitos, extinguindo-se, pois, com a resolução dos mesmos. É este último
tipo de arbitragem que se encontra previsto na Lei da Arbitragem Voluntária.
Esta caracteriza-se por ser expressão da participação dos cidadãos no exercício
das suas funções estaduais, acordando, as partes, entre si, em submeter o litígio
a um ou mais juízes arbitrais especializados, cuja decisão, por eles proferida,
a qual tem a natureza de sentença, faz caso julgado. Todavia, para que se produza este referido
caso julgado em relação a todos os que intervierem no processo, é necessário que,
havendo contra-interessados no litígio, estes aceitem o compromisso arbitral,
os quais, aliás, têm de ser demandados, atento o disposto no artigo 57/CPTA,
aplicado analogicamente.
No que respeita, agora, à arbitragem
voluntária, esta assume uma importância cada vez maior. Tal deve-se ao facto
de, cada vez mais, as matérias que emergem dos litígios jurídico-admistrativos
serem complexas e bastante especializadas, o que reclama, das mesma forma, uma
maior especialização por parte dos tribunais. Ora, são precisamente os juízes
dos tribunais arbitrais que se encontram, quando comparados com os juízes dos
tribunais admistrativos, mais preparados e especializados para resolverem os
litígios que lhes são submetidos de forma mais adequada e preparada ao caso concreto.
Atento o seu regime jurídico,
podemos verificar que, de acordo com o artigo 182/CPTA, o interessado tem o poder de exigir à administração a celebração de compromisso arbitral, para o
julgamento das matérias elencadas no artigo 180/CPTA. Será que ainda estamos no
domínio da denominada arbitragem voluntária, ou já se estará perante arbitragem
forçada? Para Cabral de Moncada, por exemplo, é um verdadeiro acto devido a
concessão do compromisso arbitral por parte da administração aos interessados, estando
vinculado a tal dever, pelo que, em caso de incumprimento, pode o particular,
se assim o entender, intentar uma acção à condenação à prática de acto devido,
junto dos tribunais administrativos, que se encontra previsto no artigo
66/1/CPTA. Em oposição a este entendimento, temos a opinião de Mário Aroso de
Almeida. Segundo este professor, bem como para Fausto de Quadros, a
administração não se encontra obrigada a aceitar tal compromisso arbitral,
podendo, pois, recusar. Acompanha a posição destes dois últimos professores, uma vez que, a meu ver, a
administração, atenta a letra do preceito, não nos parece indicar no sentido
que haja uma autêntica vinculação da administração na outorga do compromisso
arbitral, mas, apenas, que aquela tem, sim, o dever de dar uma resposta ao
particular, independentemente desta ser em sentido positivo ou negativo. Não
estamos perante um direito potestativo, no sentido de que o início do processo
arbitral estaria apenas na dependência da vontade unilateral do interessado, tendo a administração a obrigação de aceitar o compromisso arbitral.
Caso não seja aceite, há lugar a negociações entre as partes para se chegar a
um acordo.
O artigo, na sua parte final, remete
para lei própria a determinação dos casos e termos em que esse direito pode ser
exercido, “nos casos e termos previstos
na lei”. Diz-nos Aroso de Almeida que devia ser elaborada essa mesma lei, a
fim desta determinar os domínios em que aos interessados é reconhecido, agora
sim, a existência de um verdadeiro
direito potestativo à outorga de compromisso arbitral, sem necessidade de haver
um concordância por parte da entidade pública, concretizando, paralelamente, os
moldes em que a titularidade desse direito podia ser invocado.
Em relação aos limites que a estes
juízes arbitrais são impostos, temos, desde logo, o facto destes se encontrarem
vinculados, de forma semelhante ao que acontece com os juízes estaduais, a
garantias de independência, imparcialidade e isenção. Concretizando um pouco
mais estes limites, e atento o disposto no artigo 180/1/d/CPTA, não podem ser
criados tribunais arbitrais para se dirimirem litígios concernentes a matérias
em relação às quais os particulares não têm poder de disposição, por dizerem
precisamente, respeito a direitos e interesses indisponíveis. O legislador
atendeu ao critério da disponibilidade do direito, só podendo ser submetido a
arbitragem direitos que as partes podem constituir e extinguir por acto de
vontade, e aos quais podem livremente renunciar. À luz do artigo 185/CPTA, não
pode haver arbitragem em matéria de responsabilidade civil por prejuízos que
decorram do exercício das funções aí descritas, sendo tal da competência dos
tribunais estaduais, tem cumprimento do artigo 4/1/f/ETAF. Além disso, a
criação de tribunais arbitrais está sujeita à reserva de competência da A.R, de
acordo com o artigo 165/1/p/CRP.
Concluo, assim, e relembrando que a
arbitragem constitui um verdadeiro direito dos
particulares de acesso à tutela jurisdicional efectiva (268/4 e 20/1/CRP),
reiterando a importância que deve ser dada aos tribunais arbitrais na resolução
de litígios, sobretudo os de contornos mais complexos e particulares, que
reclamam uma maior especialização e proximidade à realidade, por forma a ser
emitida uma decisão mais justa, célere eficaz e adequada ao caso concreto. É,
pois, necessário, valorizar estas formas alternativas de resolução de litígios,
como sejam os centros de arbitragem permanentes do artigo 187/CPTA (como é,
aliás, o caso do Centro de Arbitragem Administrativa), por forma a não
comprometer a tutela efectiva dos direitos dos particulares em tempo útil.
Bibliografia:
- Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 2016
- Quadros, Fausto de, “Arbitragem “necessária”, “obrigatória”,
“forçada”: breve nota sobre a interpretação do artigo 182 do CPTA, in Estudos
em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume II, Coimbra, 2012
Inês Loureiro da Costa, nº24843, Subturma 8
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