João Amaral
N.º 22231
Subturma 8
Considerações
sobre a natureza da acção popular no Contencioso Administrativo.
Primeiramente, importa
sublinhar que, sem prejuízo das várias acepções ou modalidades que devamos
admitir que a acção popular conforma, esta trata-se, desde logo, de um direito
constitucional de “participação política”, consagrado no artigo 52º, n.º 3 da
nossa Lei Fundamental, norma que foi sujeita a profundas alterações na Revisão
de 1989(1).
No âmbito do Contencioso
Administrativo, a acção popular encontra-se prevista no artigo 9º, n.º 2, do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, “CPTA”), embora se
haja optado pela não utilização da expressão. A inserção sistemática do
preceito afigura-se-nos, per si, como
indiciadora da natureza do instituto, sendo, a este propósito, de louvar o
pragmatismo do legislador. Efectivamente, a acção popular serve a função e
reveste a natureza de extensão da legitimidade processual activa “a quem não
alegue ser parte na relação material controvertida”(2), designadamente,
a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, às associações
e fundações defensoras dos interesses em causa (i.e., a saúde pública, o
ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o
património cultural e os bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias
locais, artigo 9º, n.º 2º, in fine) ,
às autarquias locais e ainda ao Ministério Público.
Dir-se-á, na esteira de
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, que se deve considerar ultrapassada a concepção, já
defendida por alguma doutrina, de que a acção popular consiste numa forma de
processo autónoma(3)(4) – principalmente porquanto ficou determinado
que “a acção popular administrativa pode revestir qualquer das formas de
processo previstas” no CPTA, no artigo 12º, n.º 1, da Lei n.º 83/ 95, de 31 de
Agosto, que define as condições do exercício do direito de acção popular – mas
nem por isso será de admitir ter-se esgotado o seu interesse dogmático. Aliás,
o argumento sobredito, embora condição suficiente para a sustentação desta
tese, encontra-se longe de ser peremptório. Debrucemo-nos sobre este aspecto.
Defende MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA que, para se desconsiderar a acção popular enquanto forma de processo,
deve entender-se as especialidades a nível processual introduzidas pela
referida Lei n.º 83/95 como sendo referentes a “[apenas] alguns aspectos da
tramitação processual”, devendo “essas especialidades ser enxertadas, em cada
caso, no regime de tramitação processual ao caso for aplicável segundo as
regras gerais” (5).
A este respeito, cumpre
explicitar as principais modificações de índole processual constantes do regime
ora em análise. Este prevê, para além do concernente à legitimidade activa,
nomeadamente, as seguintes especialidades: deveres especiais quanto à audiência
prévia (artigo 4º), ao anúncio público (artigo 5º), à consulta de documentos
públicos e demais actos do procedimento pelos interessados (artigo 6º), à
audição dos interessados (artigo 8º), de ponderação e de resposta pela
autoridade instrutora (artigo 9º), de gestão processual (artigo 10º), regimes
especiais de indeferimento da petição inicial (artigo 13º) e de representação
(artigo 14º), confere um direito de exclusão por parte de titulares dos interesses
em causa, semelhante às cláusulas opt out
das class actions, no Direito
Comparado (artigo 15º), a possibilidade do Ministério Público se substituir ao
autor em caso de desistência da instância ou do pedido, de transacção ou outros
comportamentos lesivos do interesse em causa (artigo 16º), e ainda modificações
quanto aos efeitos de caso julgado e quanto aos preparos e às custas (artigos
19º e 20º, respectivamente).
Como se pode conferir, as matérias
sujeitas a um regime especial afiguram-se como sendo de manifesta amplitude.
Aliás, de uma perspectiva pelo menos quantitativa, é dada maior atenção pelo
legislador à acção popular do que à vasta maioria de formas de processo
previstas no CPTA. A este respeito, e tendo em conta o que ficou sobredito, poder-se-ia,
porventura, retorquir à tese enunciada supra
no sentido de que a acção popular, sendo um instituto de fonte constitucional,
munido de um regime legal especial que percorre uma multiplicidade de momentos
e processuais, não se limitaria a consistir numa extensão de legitimidade, a
integrar os tipos de acção existentes. Ou, por outro lado, questionar-se-ia até
que ponto é que se poderá adaptar uma forma de processo por referência a um
regime especial que se sobreponha a parte ou à totalidade dos elementos
respeitantes à tramitação processual daquela forma de processo, sem a
descaracterizar por completo ou mesmo substituindo-a [?]. Para tanto, bastaria
admitir-se a comunicabilidade dos elementos de tramitação processual da acção
popular previstos na Lei n.º 83/95 e os constantes do CPTA e, desta forma, colmatar
as lacunas existentes ao nível deste instituto, de modo a que se pudesse
considerar uma forma de processo autónoma.
Contudo, tendo em conta os
argumentos já descritos supra, não
parece ter sido esta a opção do legislador. Efectivamente, para além do já
referido artigo 12º, apenas o artigo 11º da Lei n.º 83/95 prevê a aplicação de
outro normativo (Código do Procedimento Administrativo) para complementar o
regime das acções populares. A hipotética comunicabilidade referida careceria
de previsão expressa.
Posto isto, conclui-se
reiterando o facto de que a acção popular, para o Contencioso Administrativo
hodierno, resume-se a uma extensão da legitimidade processual activa das formas
de processo previstas CPTA, ressalvando-se apenas a possibilidade de futuras
alterações aos regimes que aqui foram tratados.
__________________________
(1) Não sendo este o momento
oportuno para uma análise em detalhe da evolução do preceito, vide, para o
efeito, LUÍS FÁBRICA, in “A Acção
Popular no Projecto de Código do Processo nos Tribunais Administrativos”.
(2) Cfr., MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA, in “Manual de Processo
Administrativo”, 2º ed., Almedina, 2016, pág. 215.
(3) Sufragando esta concepção, cfr.,
VIEIRA DE ANDRADE, in “A Justiça
Administrativa (Lições)”, 3ª ed., Coimbra, 2000, pág. 154.
(4) MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in op. cit., pág. 217.
(5) Idem.
Bibliografia:
1 - LUÍS FÁBRICA, “A Acção
Popular no Projecto de Código do Processo nos Tribunais Administrativos”
2 - MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual
de Processo Administrativo”, 2º ed., Almedina, 2016;
3 - VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça
Administrativa (Lições)”, 3ª ed., Coimbra, 2000;
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