Do Decretamento Provisório das Providências Cautelares
Antes de começar a falar do tema propriamente dito importa tecer algumas
considerações acerca das providências cautelares em geral.
A previsão da existência de providências cautelares é uma concretização do
artigo 268º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, que reflete a
evolução para um Contencioso Administrativo plenamente jurisdicionalizado, por
forma a dar cumprimento ao princípio da jurisdição efetiva perante a
Administração Pública.
As providências cautelares representam um meio essencial de tutela
jurisdicional integral e efetiva dos particulares, que visam assegurar
antecipadamente a utilidade das sentenças que venham a ser proferidas no
processo principal, impedindo a inutilidade da ação declarativa principal, ou seja,
impedir que haja lugar à constituição de uma situação irreversível ou de danos
de tal maneira gravosos que ponham em causa a decisão que o autor, na defesa de
direitos subjetivos pretenda obter no processo principal.
No que respeita ao seu regime, importa referir que estão consagradas no
título IV, Capítulo I nos artigos 112º a 134º do Código do Processo nos
Tribunais Administrativos, doravante CPTA, e possibilitam ao autor de um
processo pedir ao tribunal que adote uma (ou mais) providências durante a
pendência do processo em causa.
Nas palavras do Professor VIEIRA DE ANDRADRE «o processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria: visa
assegurar a utilidade de uma lide principal, isto é, de um processo que
normalmente é mais ou menos longo, porque implica uma cognição plena.» Em suma, as providências cautelares «visam garantir o tempo necessário para fazer justiça»
Tal como resulta do artigo 113º, n.º 2 do CPTA os processos cautelares são processos
urgentes. Os processos urgentes visam proporcionar uma tutela final com
carácter de urgência sendo que incidem em decisões de mérito, e encontram-se
previstos nos artigos 36º, 97º e 111º do CPTA.
O que distingue os processos urgentes autónomos (que são processos
principais) das providências cautelares é o facto de estarmos perante uma
antecipação quantitativa ou qualitativa do direito do particular, assim
respetivamente. Nos processos urgentes autónomos estamos perante uma técnica,
que desempenha um papel determinante na realização do direito ao processo
efetivo e temporalmente justo, uma vez que, mercê dos seus efeitos, a decisão antecipatória
assegura a proteção judicial das pretensões de urgência antes do tempo
processual devido; no que concerne às providências cautelares estas permitem
apenas a emissão de uma decisão judicial de urgência antecipatória e
provisória.
Seguindo as lições do Professor AROSO DE ALMEIDA, podem-se identificar como
principiais características das providências cautelares as seguintes:
- Em primeiro lugar, a instrumentalidade
deste tipo de processos em relação ao processo principal, pois só podem ser
desencadeados por quem tenha legitimidade neste, para além de se definir por
referência neste. Existe pois, uma dependência na função e não apenas na estrutura
de uma ação principal, cuja utilidade visa assegurar. De destacar é a
possibilidade de haver providências preliminares, na medida em que são intentadas
antes do processo principal.
Por outro lado, e apesar da natureza instrumental dos procedimentos
cautelares face aos processos principais, que dependem da precedência da ação
principal como decorre do artigo 133.º, n.º 1 do CPTA, o processo cautelar tem
uma tramitação autónoma prevista no artigo 113º, n.º 2 do CPTA.
- Em segundo lugar a provisoriedade
face à pendência de sentença em ação principal, pois não está em causa a
resolução definitiva de um litígio. Pode no entanto acontecer, que por vezes a
providência já antecipe, de certa forma, a produção do mesmo efeito que será
alcançando com o processo principal, mas ainda assim não deixa de ser a título
provisório, podendo assim caducar.
- Em terceiro lugar a sumariedade,
que se manifesta numa cognição sumária da decisão de facto e de direito, própria
de um processo provisório e urgente. Quer isto dizer que o tribunal se limita a
fazer juízos sumários da ação, pois os juízos mais definitivos devem ser
tomados no âmbito do processo principal.
Existem várias espécies de providências cautelares, tendo em conta o elenco
exemplificativo do artigo 112º, n.º 2 do CPTA. De notar é que, segundo o artigo
112º, n.º 1 do CPTA, se pode adotar qualquer tipo de providência, desde que sejam
adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo, o que
vai ao encontro com a ideia da universalidade das providências, que também se
manifesta no facto de se estender o regime das providências cautelares a todas
as formas de atividade administrativa, admitindo-se a suspensão da eficácia de
atos, mas também de contratos e de normas, embora com algumas limitações.
Neste âmbito a doutrina costuma distinguir entre providências cautelares antecipatórias
e providências cautelares conservatórias.
As providências cautelares antecipatórias visam obter uma prestação a favor
do particular, que pode envolver ou não a prática de atos administrativos, ou
seja, visam tutelar situações instrumentais ou dinâmicas em que o interesse do
titular depende de uma prestação de outra entidade. Exemplo disto são as
alíneas b), c), d) e e) do artigo 112º, n.º 2 do CPTA, onde se admite
provisoriamente o acesso a concursos e exames; ou se atribuir provisoriamente a
disponibilidade de um bem; ou se autoriza o interessado para iniciar ou
prosseguir uma atividade ou adotar uma conduta; ou se regula, também
provisoriamente, uma situação jurídica.
As providências cautelares conservatórias visam conservar ou manter
inalterado o direito do particular, sendo a suspensão da eficácia do ato
administrativo (artigo 112º, n.º 2 a) do CPTA) e a imposição provisória de uma
intimação cautelar que imponha a não realização de uma certa atividade ou a
cessação de certa atividade (artigo 112º, n.º 2 f) do CPTA) os exemplos mais paradigmático.
Por outras palavras têm em vista situações finais ou estáticas, em que a
satisfação do interesse passa pela abstenção da adoção de condutas que ponham em
questão a situação em causa, tenta-se pois conservar um direito que pode estar
em perigo.
No âmbito dos critérios de decisão tem muita importância o regime do artigo
120º do CPTA, que estabelece como exigência da providência cautelar uma
situação de periculum in mora, na medida em que a providência
pressupõe a existência de um perigo de inutilidade, total ou parcial,
resultante do decurso do tempo e da adoção ou abstenção de uma pronúncia
administrativa. O juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na
situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há
razões para recear que tal sentença possa vir a ser inútil.
É de ter em conta o periculum de infrutuosidade, que deverá ser
alvo de uma providência conservatória, como o periculum de
retardamento, ao qual deverá ser colmatado com a aplicação de uma providência
antecipatória
Importante é também ter em conta o princípio da proporcionalidade na
decisão de concessão ou recusa da providência, na medida em que deve ser feita
uma ponderação de todos os interesses em jogo no caso concreto. Neste sentido
estabelece o artigo 120º, n.º 2 do CPTA, em que se pondera a proporcionalidade,
mas no ponto de vista do equilíbrio, pois avalia-se, no juízo de prognose, os
resultados de cada uma das alternativas e não se concede a providência quando
os prejuízos dessa concessão sejam superiores aos que resultariam da sua não
concessão.
Outra das exigências a ter em conta no critério de decisão é a necessidade
de a providência se adequar a evitar a lesão dos interesses em causa, prevista
no artigo 120º, n.º 3 do CPTA. Por outro lado também se confere ao tribunal a discricionariedade
necessária para poder adotar outra providência, diferente da pedida, se tal
achar necessário.
Tal como afirma o Professor VIEIRA ANDRADE, isto pode ser feito quer em
cumulação, por uma contra providência, que diminua o prejuízo para os
interesses do requerido e dos contra interessados e que ainda assim permita que
se evite a lesão dos interesses do requerente; quer em substituição, tendo que
se adotar uma providência que satisfaça em termos adequados as pretensões do
requerente, mas que cause menos prejuízos aos interesses contrários, sejam eles
públicos ou privados.
Passando agora a analisar em concreto o decretamento provisório de
providências cautelares é de salientar que este se encontra consagrado no
artigo 131º do CPTA, e se concretiza numa situação de especial urgência em que o juiz decreta de
imediato a providência requerida, antes mesmo de uma providência ser decidida,
ou seja, face às circunstâncias, o tribunal pode conceder a providência
cautelar imediatamente após o seu requerimento, mas apenas a título provisório.
Por este
motivo o Professor AROSO DE ALMEIDA explica que
estamos perante uma «tutela cautelar de
segundo grau, destinada a evitar o periculum
in mora do próprio processo cautelar, prevenindo os danos que, para
o requerente, possam resultar da demora deste processo»
Por outro lado, nas palavras do
Professor VIEIRA DE ANDRADE, o regime do artigo 131º do CPTA constitui um «aspeto complementar»
ao regime da providência cautelar, sendo que este vale para qualquer
providência em situações de especial urgência, à exceção da suspensão de
eficácia de um ato administrativo ou de uma norma regulamentar, pois neste caso
existe um regime especial no artigo 128º do CPTA.
Podemos assim dizer que, face a situações de especiais urgências, esta figura
antecipa, a título provisório apenas, a concessão de uma providência cautelar,
durante a pendência do próprio processo cautelar. O decretamento é provisório,
mas imediato para evitar o esgotamento do interesse da própria pretensão inicial.
Este processo surge, em princípio, face a um pedido do requerente, nos
termos do artigo 131º, nº1 do CPTA. Todavia, pode este processo ser feito por
iniciativa do próprio tribunal, quando reconheça que esta é a solução
necessária para assegurar a tutela jurisdicional efetiva do requerente, tendo
em conta a gravidade da situação que poderá estar em causa, designadamente a
possibilidade de lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade ou
garantia (artigo 131º, nº1 do CPTA).
Aqui o periculum in mora reporta-se ao retardamento do
próprio processo cautelar, sendo que se visa evitar a lesão iminente e
irreversível do direito fundamental ou outra situação de especial urgência,
sendo que a decisão pode ser tomada no prazo de 48 horas.
A decisão do decretamento provisório não está sujeita aos critérios do
artigo 120º do CPTA, embora implique a existência de um periculum in
mora, ainda que qualificado na medida em que se reporta à morosidade do próprio
processo cautelar, ou seja, está em causa o perigo da constituição de uma
situação irreversível se nada for feito de imediato; por outro lado tem também de
estar em causa uma consequente lesão iminente e irreversível do direito,
liberdade ou garantia invocado, ou outra situação de especial urgência; e por
último deve também ser realizada uma ponderação em que se deverá ter em conta o
perigo de lesão de direitos dos contra interessados, além do prejuízo para o
interesse público.
Tal como dispõe o artigo 131º, n.º 3 do CPTA, pode haver lugar ao contraditório
neste tipo de processo, no entanto nem sempre será necessário uma audiência do
requerido, não só porque estamos apenas perante uma decisão cautelar
provisória, mas também tendo em conta o carácter urgente da situação, que pode
nem sequer dar tempo à existência dessa audiência.
Por último é de salientar que este regime do decretamento provisório das
providências cautelares, previsto no artigo 131º do CPTA, não deve ser
confundido com o regime dos artigos 109º e seguintes, sobre o processo
declarativo urgente de intimação para a proteção de direitos, liberdades e
garantias.
Com efeito, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
está em causa quando é necessária a obtenção de uma decisão definitiva, em
tempo útil e com carácter de urgência, algo que não pode ser resolvido com a
adoção de uma providência cautelar, pois esta apresenta, um carácter de certa
forma precário e provisório.
Assim enquanto, que o artigo 131º do CPTA regula situações que requerem a
imediata concessão de uma providência cautelar, sem afetar a decisão definitiva,
ou seja está-se perante situações em que a célere emissão de uma decisão sobre
o mérito da causa não é necessária para proteger o direito, liberdade ou
garantia; por sua vez a situação de intimação para a proteção de direitos,
liberdades e garantias corresponde a situações em que há um critério de
reversibilidade, em que se necessita de uma decisão de mérito. Pelo que se
trata de um processo urgente e principal caracterizado por uma tramitação
sumária e dirigido à produção de uma sentença de mérito.
O decretamento provisório da providência cautelar tem uma natureza
provisória e a decisão de mérito irá consistir na decisão definitiva.
A intimação acaba por ser uma forma de suprir as insuficiências ou
irregularidades inerentes a um processo cautelar, pelo que pode concluir que o
artigo 109º do CPTA é subsidariamente aplicável às providências cautelares.
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Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de; Manual de Processo Administrativo,
Almedina, Lisboa, 2015.
- AMARAL, DIOGO FREITAS DO; As providências cautelares no contencioso administrativo, Cadernos de Justiça Administrativa n.º 43 (pág 4 a 15).
-
AMORIM, TIAGO; As providências cautelares no CPTA: um primeiro balanço –
Cadernos de Justiça Administrativa n.º 47 (pág. 41 a 61).
- ANDRADE, José Carlos Vieira de; A Justiça Administrativa
(Lições), Almedina, Lisboa, 2015.
-
GOMES, CARLA AMADO; As providências cautelares e o «princípio da precaução»:
ecos da jurisprudência (pág. 229 a 260).
- NEVES, Diogo; Decretamento provisório das providências cautelares e proibição automática de execução do ato em sede de procedimentos pré-contratuais: relançar do tema à luz do Direito Comunitário, disponível em: http://www.fd.uc.pt/cedipre/publicacoes/online/public_20.pdf
- SILVA, Vasco Pereira da; O Contencioso Administrativo no
Divã da Psicanálise, Almedina, 2009.
Realizado por: Catarina Gordinho, n.º 23480
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