O mecanismo previsto no art. 128º do CPTA
implica que, recebido o duplicado do requerimento de providência com vista a
suspender a eficácia de um ato (art. 112, nº2, al. a) CPTA), toda e qualquer
entidade administrativa tem a obrigação de imediata e automaticamente parar a
execução desse ato.
Este mecanismo demarca-se, nomeadamente, do
art. 131º do mesmo código (que representa também um mecanismo especial cautelar),
pelo seu automatismo, mas também pelos casos que permite albergar na sua
previsão, já que a previsão do art. 131º é muito mais restrita que a do
referido art. 128º.
Apesar das especificidades, e até de haver
quem, como AROSO DE ALMEIDA[1], discuta a qualificação do
regime do art. 128º, em si mesmo, como incidente do processo cautelar, a
verdade é que ele visa proporcionar uma tutela provisória. A única diferença
para os processos cautelares “normais” será a da automaticidade, não havendo
qualquer intervenção ou ponderação do juiz acerca dos requisitos normais das
providências cautelares, como o é o periculum
in mora.
A proibição do art. 128º, de execução do ato
administrativo, só vale até ser proferida decisão, no processo cautelar, que
não dê provimento ao pedido de suspensão da eficácia. Encontra-se então aqui
uma ideia de provisoriedade, e de instrumentalidade, em relação a uma decisão
posterior, típicas do procedimento cautelar, em todos os tipos de processo, não
só administrativo. Reforça-se aqui o caráter cautelar deste dispositivo.
Havendo suspensão da eficácia automaticamente,
os atos só podem voltar a ser praticados depois de resolução fundamentada por
parte da Administração. Este é um pressuposto prévio da prática de tais atos,
“uma vez que só com a emissão fundamentada pode a Administração levantar a
proibição legal de executar o ato” [2]. Esta garantia
extraordinária dos particulares, que permite nem sequer haver uma mínima
apreciação judicial como sucede com um processo cautelar normal, leva a que a
resolução fundamentada não possa funcionar como fundamentação a posteriori dos atos de execução.
Enquanto ela não existir, os atos ficam automaticamente suspensos no âmbito da
regra do art. 128º, nº1 CPTA, paralisação que só cessa quando a administração,
no prazo de 15 dias, reconhecer, mediante resolução fundamentada, que a
paralisação da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público,
podendo o tribunal julgar improcedentes as razões em que esta se fundamenta
(art. 128º, nº3).
Resta agora analisar o significado e alcance
desta expressão da “resolução fundamentada”.
A resolução fundamentada, prerrogativa dada à
Administração para impedir a proibição de execução do ato administrativo por
mero uso do mecanismo previsto no art. 128º, nº1 pelo interessado, não consiste
num ato administrativo[3], constituindo antes uma
“pronúncia administrativa desenvolvida no âmbito e sob a égide estrita dum
processo judicial cuja legalidade cumpre ser exclusivamente sindicada através
do competente incidente previsto no art. 128º, nºs 4 a 6 do CPTA”. AROSO DE
ALMEIDA diz-nos que a resolução fundamentada não constitui um ato
administrativo impugnável. O autor diz que não parece estar na disponibilidade
da Administração, não sendo por isso um ato administrativo, sendo antes
“matéria que gravita na órbita do processo cautelar, em ordem a assegurar a sua
efetividade, e, por isso, é que é ao juiz cautelar a quem, em última análise,
cabe a palavra decisiva”[4], isto é, cabe analisar a
validade da própria resolução fundamentada, em sede posterior. E esta análise,
que será feita judicialmente, é diferente da apreciação judicial da providência
cautelar de suspensão de ato administrativo, até porque os efeitos da decisão
acerca da providencia cautelar só valem para futuro, enquanto que os efeitos da
declaração de ineficácia dos atos de execução do ato ou atos ao abrigo do art.
128º retroagem.
Por um lado, pela facilidade que a
Administração tem de impedir que o ato cesse a sua execução, como, por outro,
pelo facto de a resolução fundamentada que a mesma emite não consistir num ato
administrativo impugnável, parece, à primeira vista haver uma larga margem de
discricionariedade da Administração, aproximando-se de uma certa arbitrariedade.
Esta discricionariedade da Administração está
muito ligada com a interpretação que a mesma faça aquando do proferimento da
resolução fundamentada, baseada em “interesse público”, interpretação que não
passa pela apreciação de um juiz. À primeira vista a discricionariedade
conferida aqui à Administração pode considerar-se de uma arbitrariedade
excessiva, como podemos encontrar referido em FREITAS DO AMARAL[5], qualificando-a como “uma
nova modalidade do privilégio da execução prévia, gravosa para os particulares
e desprestigiante para os tribunais”.
Estes atos de declaração de interesse público
concedidos à Administração não são suscetíveis de controlo jurisdicional,
resultando de uma remissão do legislador para que a Administração, apreciando
as circunstâncias concretas do caso, adote a solução mais adequada para
proteger o tal interesse público.[6]
Este prejuízo para o interesse público é aferido
desde logo pela Administração, e não pelo juiz, isto é, por uma das partes do
processo, de forma unilateral. Esta questão poderia suscitar alguns problemas
em termos de tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrada. No
entanto, há uma vantagem neste poder unilateral, na medida em que a
Administração saberá, em princípio, melhor ponderar entre o interesse público
subjacente à prática do ato administrativo e os interesses dos particulares.
Porque o “interesse público” que aqui será relevante é aquele que esteja
compreendido dentro do princípio da legalidade, no sentido positivo. A relação
dos atos administrativos com a lei é uma questão de conformidade, e não de
compatibilidade. A Administração, só podendo fazer aquilo que a lei permita,
porque não prossegue fins privados, prosseguindo sempre, em teoria, o interesse
público em sentido funcional, conformado pela lei habilitante, emitirá sempre,
em princípio, atos em conformidade com esse interesse.
Sob a ótica do interessado, poderia colocar-se
um problema de inconstitucionalidade, na medida em que um particular poderia,
sem qualquer apreciação judicial, conseguir a suspensão da eficácia de um ato
administrativo, podendo causar graves e irreparáveis prejuízos não só ao interesse
público como eventualmente projetado pela Administração numa resolução
fundamentada, mas também a outros particulares, como será o exemplo do embargo
de uma obra.
Jurisprudencialmente tem havido uma prática no
sentido de obstar à arbitrariedade da Administração, interpretando-se as razões
de “interesse público” que podem fundamentar as resoluções da Administração
segundo critérios exigentes, já que, como refere AROSO DE ALMEIDA “toda a
suspensão da eficácia de atos administrativos prejudica a prossecução do
interesse público que eles visam prosseguir”.
Os critérios e requisitos que o tribunal tem
de ter em conta no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos
atos de execução praticados ao abrigo da “resolução fundamentada” não são, como
refere a jurisprudência, os enunciados no art. 120º CPTA. O que deve verificar
o tribunal é se a resolução que impediu a paralisação da execução do ato ou
atos foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada “no sentido de
demonstrar e provar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial
para o interesse público”.[7] A urgência na prossecução
do interesse público, isto é, a indispensabilidade para dar resposta a situações
de especial urgência, têm de ser respeitadas antes do proferimento de uma
resolução fundamentada, ao abrigo do nº1 do art. 128º.
A motivação dada em sede de resolução
fundamentada, alicerçada em grave “prejuízo para o interesse público”, tem de
ser, segundo o acórdão do TCAN de 4 de outubro de 2007, “sucinta, clara,
concreta, congruente e contextual”, não podendo haver justificações genéricas
ou vagas, que não permitam ao próprio tribunal, depois, em sede de apreciação
da necessidade da continuação da execução do ato administrativo, inteirar-se
das razões que levaram à emissão da resolução fundamentada, e aos próprios
interessados que utilizaram o mecanismo do art. 128º e cujas pretensões não
procederam devido a uma resolução fundamentada.
Tem de haver uma necessidade imperiosa de
prosseguir com a execução do ato administrativo que se suspende “a ponto de não
ser possível, sob pena de grave prejuízo para o interesse público, esperar pela
decisão judicial cautelar”. Prevendo a lei este automatismo da proibição de
executar o ato administrativo, não se compreenderia que a fundamentação da
Administração que pudesse impedir que esta proibição automática acontecesse não
fosse baseada em critérios de absoluta necessidade e urgência. A Administração
tem de indicar concretamente os valores que pretende salvaguardar e os factos
derivados a proibição de execução do ato suscetíveis de comprometer esses
mesmos valores, tendo de existir uma densificação suficiente do prejuízo para o
interesse público[8]. A Administração tem de
estar vinculada a princípio jurídicos fundamentais, com muita relevância para a
proporcionalidade.
[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de
Processo Administrativo. Almedina, 2010. P. 459
[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 09-10-2014. Proc: 11302/14.
[3] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 14-02-2008. Proc: 01205/07
[4] Mário Aroso de Almeida, p. 462
[5] Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1989, P. 322.
[6] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14
[7] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 25-10-2007. Proc: 02942/07
[8] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14
[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 09-10-2014. Proc: 11302/14.
[3] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 14-02-2008. Proc: 01205/07
[4] Mário Aroso de Almeida, p. 462
[5] Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1989, P. 322.
[6] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14
[7] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 25-10-2007. Proc: 02942/07
[8] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14
Bibliografia:
AMARAL,
Diogo Freitas. Direito Administrativo,
vol. IV, Lisboa, 1989.
ALMEIDA,
Mário Aroso. Manual de Processo Administrativo. Almedina, 2010.
FILIPA CAIO BAETA, Nº24021, Subturma 8. 4ºAno/Dia
2016/17
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