domingo, 11 de dezembro de 2016

Fundamentos e alcance do artigo 128º do CPTA.

 O mecanismo previsto no art. 128º do CPTA implica que, recebido o duplicado do requerimento de providência com vista a suspender a eficácia de um ato (art. 112, nº2, al. a) CPTA), toda e qualquer entidade administrativa tem a obrigação de imediata e automaticamente parar a execução desse ato.
 Este mecanismo demarca-se, nomeadamente, do art. 131º do mesmo código (que representa também um mecanismo especial cautelar), pelo seu automatismo, mas também pelos casos que permite albergar na sua previsão, já que a previsão do art. 131º é muito mais restrita que a do referido art. 128º.
 Apesar das especificidades, e até de haver quem, como AROSO DE ALMEIDA[1], discuta a qualificação do regime do art. 128º, em si mesmo, como incidente do processo cautelar, a verdade é que ele visa proporcionar uma tutela provisória. A única diferença para os processos cautelares “normais” será a da automaticidade, não havendo qualquer intervenção ou ponderação do juiz acerca dos requisitos normais das providências cautelares, como o é o periculum in mora.
 A proibição do art. 128º, de execução do ato administrativo, só vale até ser proferida decisão, no processo cautelar, que não dê provimento ao pedido de suspensão da eficácia. Encontra-se então aqui uma ideia de provisoriedade, e de instrumentalidade, em relação a uma decisão posterior, típicas do procedimento cautelar, em todos os tipos de processo, não só administrativo. Reforça-se aqui o caráter cautelar deste dispositivo.
 Havendo suspensão da eficácia automaticamente, os atos só podem voltar a ser praticados depois de resolução fundamentada por parte da Administração. Este é um pressuposto prévio da prática de tais atos, “uma vez que só com a emissão fundamentada pode a Administração levantar a proibição legal de executar o ato” [2]. Esta garantia extraordinária dos particulares, que permite nem sequer haver uma mínima apreciação judicial como sucede com um processo cautelar normal, leva a que a resolução fundamentada não possa funcionar como fundamentação a posteriori dos atos de execução. Enquanto ela não existir, os atos ficam automaticamente suspensos no âmbito da regra do art. 128º, nº1 CPTA, paralisação que só cessa quando a administração, no prazo de 15 dias, reconhecer, mediante resolução fundamentada, que a paralisação da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, podendo o tribunal julgar improcedentes as razões em que esta se fundamenta (art. 128º, nº3).
 Resta agora analisar o significado e alcance desta expressão da “resolução fundamentada”.
 A resolução fundamentada, prerrogativa dada à Administração para impedir a proibição de execução do ato administrativo por mero uso do mecanismo previsto no art. 128º, nº1 pelo interessado, não consiste num ato administrativo[3], constituindo antes uma “pronúncia administrativa desenvolvida no âmbito e sob a égide estrita dum processo judicial cuja legalidade cumpre ser exclusivamente sindicada através do competente incidente previsto no art. 128º, nºs 4 a 6 do CPTA”. AROSO DE ALMEIDA diz-nos que a resolução fundamentada não constitui um ato administrativo impugnável. O autor diz que não parece estar na disponibilidade da Administração, não sendo por isso um ato administrativo, sendo antes “matéria que gravita na órbita do processo cautelar, em ordem a assegurar a sua efetividade, e, por isso, é que é ao juiz cautelar a quem, em última análise, cabe a palavra decisiva”[4], isto é, cabe analisar a validade da própria resolução fundamentada, em sede posterior. E esta análise, que será feita judicialmente, é diferente da apreciação judicial da providência cautelar de suspensão de ato administrativo, até porque os efeitos da decisão acerca da providencia cautelar só valem para futuro, enquanto que os efeitos da declaração de ineficácia dos atos de execução do ato ou atos ao abrigo do art. 128º retroagem.
 Por um lado, pela facilidade que a Administração tem de impedir que o ato cesse a sua execução, como, por outro, pelo facto de a resolução fundamentada que a mesma emite não consistir num ato administrativo impugnável, parece, à primeira vista haver uma larga margem de discricionariedade da Administração, aproximando-se de uma certa arbitrariedade.
 Esta discricionariedade da Administração está muito ligada com a interpretação que a mesma faça aquando do proferimento da resolução fundamentada, baseada em “interesse público”, interpretação que não passa pela apreciação de um juiz. À primeira vista a discricionariedade conferida aqui à Administração pode considerar-se de uma arbitrariedade excessiva, como podemos encontrar referido em FREITAS DO AMARAL[5], qualificando-a como “uma nova modalidade do privilégio da execução prévia, gravosa para os particulares e desprestigiante para os tribunais”.
 Estes atos de declaração de interesse público concedidos à Administração não são suscetíveis de controlo jurisdicional, resultando de uma remissão do legislador para que a Administração, apreciando as circunstâncias concretas do caso, adote a solução mais adequada para proteger o tal interesse público.[6]
 Este prejuízo para o interesse público é aferido desde logo pela Administração, e não pelo juiz, isto é, por uma das partes do processo, de forma unilateral. Esta questão poderia suscitar alguns problemas em termos de tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrada. No entanto, há uma vantagem neste poder unilateral, na medida em que a Administração saberá, em princípio, melhor ponderar entre o interesse público subjacente à prática do ato administrativo e os interesses dos particulares. Porque o “interesse público” que aqui será relevante é aquele que esteja compreendido dentro do princípio da legalidade, no sentido positivo. A relação dos atos administrativos com a lei é uma questão de conformidade, e não de compatibilidade. A Administração, só podendo fazer aquilo que a lei permita, porque não prossegue fins privados, prosseguindo sempre, em teoria, o interesse público em sentido funcional, conformado pela lei habilitante, emitirá sempre, em princípio, atos em conformidade com esse interesse.
 Sob a ótica do interessado, poderia colocar-se um problema de inconstitucionalidade, na medida em que um particular poderia, sem qualquer apreciação judicial, conseguir a suspensão da eficácia de um ato administrativo, podendo causar graves e irreparáveis prejuízos não só ao interesse público como eventualmente projetado pela Administração numa resolução fundamentada, mas também a outros particulares, como será o exemplo do embargo de uma obra.
 Jurisprudencialmente tem havido uma prática no sentido de obstar à arbitrariedade da Administração, interpretando-se as razões de “interesse público” que podem fundamentar as resoluções da Administração segundo critérios exigentes, já que, como refere AROSO DE ALMEIDA “toda a suspensão da eficácia de atos administrativos prejudica a prossecução do interesse público que eles visam prosseguir”.
 Os critérios e requisitos que o tribunal tem de ter em conta no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos atos de execução praticados ao abrigo da “resolução fundamentada” não são, como refere a jurisprudência, os enunciados no art. 120º CPTA. O que deve verificar o tribunal é se a resolução que impediu a paralisação da execução do ato ou atos foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada “no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”.[7] A urgência na prossecução do interesse público, isto é, a indispensabilidade para dar resposta a situações de especial urgência, têm de ser respeitadas antes do proferimento de uma resolução fundamentada, ao abrigo do nº1 do art. 128º.
 A motivação dada em sede de resolução fundamentada, alicerçada em grave “prejuízo para o interesse público”, tem de ser, segundo o acórdão do TCAN de 4 de outubro de 2007, “sucinta, clara, concreta, congruente e contextual”, não podendo haver justificações genéricas ou vagas, que não permitam ao próprio tribunal, depois, em sede de apreciação da necessidade da continuação da execução do ato administrativo, inteirar-se das razões que levaram à emissão da resolução fundamentada, e aos próprios interessados que utilizaram o mecanismo do art. 128º e cujas pretensões não procederam devido a uma resolução fundamentada.
 Tem de haver uma necessidade imperiosa de prosseguir com a execução do ato administrativo que se suspende “a ponto de não ser possível, sob pena de grave prejuízo para o interesse público, esperar pela decisão judicial cautelar”. Prevendo a lei este automatismo da proibição de executar o ato administrativo, não se compreenderia que a fundamentação da Administração que pudesse impedir que esta proibição automática acontecesse não fosse baseada em critérios de absoluta necessidade e urgência. A Administração tem de indicar concretamente os valores que pretende salvaguardar e os factos derivados a proibição de execução do ato suscetíveis de comprometer esses mesmos valores, tendo de existir uma densificação suficiente do prejuízo para o interesse público[8]. A Administração tem de estar vinculada a princípio jurídicos fundamentais, com muita relevância para a proporcionalidade.



[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo. Almedina, 2010. P. 459

[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 09-10-2014. Proc: 11302/14.

[3] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 14-02-2008. Proc: 01205/07

[4] Mário Aroso de Almeida, p. 462

[5] Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1989, P. 322.

[6] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14

[7] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. 04-10-2007. Proc: 01312/05. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 25-10-2007. Proc: 02942/07

[8] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. 05-06-2014. Proc: 11159/14


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas. Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1989.
ALMEIDA, Mário Aroso. Manual de Processo Administrativo. Almedina, 2010.


FILIPA CAIO BAETA, Nº24021, Subturma 8. 4ºAno/Dia
2016/17

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